Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Economia

Protecionismo tem razões políticas na Argentina, diz presidente da "CNI" local

Presidente da "CNI" local vê razões políticas em ações argentinas e é necessário conciliação entre os países.

 presidente da União Industrial Argentina (UIA), Hector Méndez, admitiu ontem que “as coisas estão mais politizadas do que se imagina” em seu país e que o caminho para resolver as divergências entre Brasil e a Argentina é a conciliação. No cargo há apenas duas semanas, Mendéz aproveitou uma viagem a São Paulo para uma visita de cortesia ao presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf. E foi recebido como um velho amigo.

A expectativa na indústria paulista é que o novo presidente da mais importante associação empresarial da Argentina se torne um interlocutor essencial. “Ele é neutro. Com o antigo presidente, não havia conversa”, contou uma fonte da Fiesp. O ex-presidente da UIA, Juan Carlos Lascurain, vem do setor calçadista, cujo comércio com o Brasil é regulado por cotas desde 1999. Mendéz era presidente da Câmara Industrial do Plástico e frisou ontem que é um setor há “25 anos sem conflito com o Brasil”.

Sentado em uma mesa ao lado de Skaf, ele explicou que a situação está politizada na Argentina porque as pressões não são apenas econômicas, mas também sociais, já que as pessoas perderam seus empregos. “Quando temos um problema social, é preciso lidar politicamente”, disse. Skaf enfatizou seu relacionamento pessoal com Méndez e disse que esteve na sua posse em 2005, na primeira vez em que ele presidiu a UIA. O brasileiro brincou que o argentino tinha perdido 30 quilos desde então, e os dois empresários riram.

Segundo o presidente da Fiesp, os brasileiros estão dispostos a não estimular excesso de oferta nos produtos em que a Argentina é capaz de atender seu mercado. Por outro lado, disse, os argentinos devem se comprometer em não permitir desvio de comércio, com substituição de bens brasileiros por chineses. Mendéz concordou.

As licenças não-automáticas de importação – que na prática funcionam com uma barreira burocrática contra os produtos brasileiros – começaram a provocar discordâncias dentro da indústria argentina. Há relatos de fábricas que interromperam atividades por falta de insumos que vem do Brasil. A divergência ficou evidente no fim de abril quando o presidente da Fiat na Argentina, Cristiano Ratazzi, criticou as travas protecionistas do governo. “A ideia de viver apenas com o que é nosso só trouxe pobreza e nos distanciou do mundo”, disse ele durante um evento na cidade de Rosário, conforme a mídia local.

Ratazzi disse ainda que a Argentina é “o único país” que não aprendeu a lição da crise de 1929. E acrescentou que estava começando uma nova etapa para a UIA, menos vinculada ao governo e mais próxima do setor agrícola e de outras entidades industriais. As declarações provocaram forte polêmica no país.

A indústria têxtil argentina rebateu que “o que prega Ratazzi já esteve em prática nos anos 90 e produziu a destruição da indústria e o desemprego”. Méndez – apesar de integrar a mesma corrente que o presidente da Fiat dentro da UIA – apressou-se em dizer que o executivo exprimiu opiniões pessoais, e não a posição da entidade.

Ontem, em São Paulo, Méndez fez questão de deixar claro que a UIA é independente do governo. “Eu não sou governo. Sou uma entidade privada, o que posso fazer é influenciar”, disse. A UIA sempre foi vista com uma aliada importante de Cristina Kirchner, ainda mais depois que a presidente rompeu com os ruralistas.

Questionado pelo Valor sobre a paralisação das indústrias argentinas por falta de insumos brasileiros, Mendéz admitiu que “o risco existe”, que os mecanismos dos governos para restringir a entrada de produtos são “lentos” e que o ideal é um entendimento entre os setores privados. “A intervenção do Estado é um peso para a agilidade que o comércio necessita”, disse.

No encontro privado com Skaf ontem, Méndez se comprometeu a conversar com o governo argentino, principalmente com a ministra da Produção, Débora Giorgio, para tentar resolver o impasse com o Brasil, segundo fonte que esteve na reunião.

A tendência do comércio bilateral no pós-crise pode explicar a mudança de posição que começa a ser sinalizada pelo empresariado argentino. Enquanto as exportações brasileiras para o país caíram 37% em abril, as importações cederam apenas 4,8%. Foi o segundo mês consecutivo que a Argentina obteve superávit com o Brasil. De janeiro a abril, as exportações para a Argentina cederam 42% e as importações, 27%.

Conforme Ricardo Martins, diretor-adjunto de comércio exterior da Fiesp, os argentinos foram beneficiados pela redução de IPI para a venda de carros, promovida pelo governo, que estimulou a recuperação das vendas. Na Argentina, o mercado de veículos caiu mais de 50% por conta da crise e não se recuperou.

Uma parte da diferença no ritmo das trocas de produtos entre os dois países também pode ser explicada pelas licenças não-automáticas, que reduziram as vendas de alguns produtos brasileiros, como móveis, calçados, têxteis e máquinas. Méndez não comentou nenhuma negociação específica ontem, mas foi dele a iniciativa de falar com a imprensa. Em cima da hora para outra reunião, Skaf deixou a conversa com os jornalistas mais cedo. “Fique à vontade, Hector. Você é de casa”, disse ao sair.