As empresas francesas estão batendo nas portas dos mercados emergentes, particularmente do Brasil. Quinta maior economia do mundo, a França busca reduzir seu déficit comercial recorde e aposta que elevar as vendas para os emergentes pode ser a solução. É uma reviravolta na lógica das trocas internacionais provocada pela crise.
“Queremos reforçar nossa presença nos emergentes, em primeiro lugar no Brasil”, disse ao Valor a ministra francesa de Comércio Exterior, Anne-Marie Idrac, que está no país para encontros com empresários e ministros. “Fico impressionada com a capacidade de resistência e recomeço do Brasil.”
O governo francês vai gastar € 2 milhões de euros este ano (R$ 5,7 milhões) para promover suas exportações no mercado brasileiro. Em meio às comemorações do ano da França no Brasil, que exaltam as relações culturais entre os dois países, também serão realizados 40 eventos comerciais com a vinda de 500 empresas francesas ao país.
Essa montanha de dinheiro será utilizada não apenas no custeio dos eventos, mas também para subsidiar a viagem dos empresários, cobrindo parte do custo com passagem e hotel. O diretor-geral da Ubifrance (agência francesa de comércio exterior), Christophe Lecourtier, disse que isso é vital para convencê-los a cruzar o Oceano Atlântico em tempos de crise.
Em 2008, a França amargou o seu pior resultado comercial: déficit de € 56 bilhões de euros (US$ 74,6 bilhões. Como boa parte veio da compra de combustíveis, o valor pode até cair este ano, por conta do menor preço do petróleo. Mesmo assim, o país sentirá os efeitos da crise mundial, que afetou duramente seus principais mercados.
Um dos motores da indústria francesa, o setor automotivo registrou déficit de € 4 bilhões de euros em 2008 (US$ 5,3 bilhões), o primeiro em 25 anos. O país já enfrentava problemas estruturais, com o deslocamento das montadoras para o Leste Europeu. Com a crise, a situação piorou. As vendas de carros franceses na Espanha, por exemplo, caíram de 307 mil em 2007 para 200 mil em 2008. Nicolas Sarkozy foi acusado de protecionismo ao divulgar um programa de ajuda à indústria automotiva com exigência de investimento no país. Em um cenário como esse, os resultados no Brasil chamam a atenção: no país, as vendas da Renault tiveram aumento de 59%.
Cerca de 70% das exportações francesas são destinadas aos mercados da União Europeia e outros 20% vão para os países ricos, como Estados Unidos ou Japão. Os países emergentes não representam 10% das vendas e, segundo Lecourtier, seus concorrentes na Alemanha e na Itália estão mais bem posicionados nesses mercados.
Com o Brasil, o país europeu conseguiu um superávit de US$ 500 milhões em 2008, em uma corrente de comércio de US$ 8,8 bilhões. Enquanto os exportadores brasileiros venderam majoritariamente commodities, os franceses exportaram manufaturados, principalmente nos setores automotivo e de aviação.
Para o diretor-geral da Ubifrance, a estrutura do comércio exterior francesa está “mal-orientada”, porque não reflete o crescimento dos emergentes. Ele ressalta que esses mercados incrementaram a compras de máquinas sofisticadas nos países ricos e também de bens de consumo, por conta do surgimento de uma nova classe média.
É por isso que Anne-Marie Idrac está em uma verdadeira maratona de viagens. Ela esteve recentemente na China e agora veio ao Brasil. A aposta do governo francês é que os mercados emergentes serão menos afetados pela crise. “Muitas pessoas dizem que o Brasil entrou por último na crise e vai sair primeiro. Basta ver o nível de otimismo entre empresários e consumidores, que é maior que em outros lugares”, disse Lecourtier. “O desafio para nós é preparar desde agora a saída da crise, para que não sejam só nossos amigos alemães que se beneficiem.”
Na avaliação da ministra, a França tem potencial para aumentar suas exportações para o Brasil em todos os setores ligados a meio ambiente, como eficácia energética, tratamento de água e resíduos ou transporte público. Ela acredita que outro setor de destaque será a indústria farmacêutica e aposta ainda no potencial de crescimento de setores tradicionais, como militar e bens de consumo.
“Mais importantes que as relações comerciais com o Brasil são os investimentos, que, por enquanto, ainda estão em apenas um sentido. Gostaria de ver investimentos de empresas brasileiras na França”, reforçou Anne-Marie. A França é o quarto maior investidor estrangeiro no Brasil e estão presentes no país empresas como Renault, Alston e Rhodia. Dois projetos em especial estão no radar dos francesas: o trem bala entre Rio e São Paulo e a licitação de caças da Força Aérea Brasileira (FAB).