Instituições que desenvolvem estudos sobre os efeitos das mudanças climáticas têm frequentemente relacionado esse processo ao fenômeno que vem sendo anunciado como a pior seca dos últimos 111 anos no Brasil, com consequências mais graves nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, principalmente na geração de energia elétrica e na agropecuária.
Para o pesquisador Carlos Eduardo Pacheco, da área de Solos e Nutrição de Plantas da Embrapa Hortaliças (Brasília-DF), que desenvolve trabalhos envolvendo a mitigação e a adaptação dos sistemas produtivos de hortaliças às mudanças climáticas, essa relação não pode ser ignorada, mas não é a única causa.
“Podemos observar ao longo dos últimos anos que esses fenômenos climáticos extremos como seca ou chuvas torrenciais têm se tornado mais frequentes e mais intensos, ocorrências projetadas em cenários de mudanças climáticas que têm sido estudados e desenvolvidos por aplicação de modelos climáticos já há algum tempo, mas não é possível associar esses eventos de seca tão somente a essas mudanças, a questão é mais complexa”, considera o pesquisador.
Dentro desse raciocínio, ele explica que nos estudos voltados para essa questão são trabalhadas projeções, realizadas por meio de aplicação de modelos treinados para responderem o mais próximo possível daquelas condições que temos no mundo real, mas “nem sempre os cenários projetados vão ocorrer exatamente da forma que foram mostrados, embora na maioria dos casos haja coerência”.
“Um cenário muito bem aceito é o que aponta o aumento de temperatura em todas as épocas nas regiões do País e que pode chegar a cerca de 4,5 graus Celsius, em média, com impactos sobre todos os outros componentes climáticos que se observa no território brasileiro – como consequência, eventos extremos de seca e chuva podem ser observados em regiões específicas e que podem causar, por exemplo processos de desertificação em parte do semiárido e significativa redução dos índices de precipitação na região Norte e aumento da ocorrência de queimadas nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste”, sublinha Pacheco.
Ainda de acordo com o pesquisador, as alterações projetadas para a região Norte do País podem ainda resultar em modificações expressivas na vegetação da Amazônia, impactando o regime de chuvas de boa parte das outras regiões brasileiras, com destaque para o Centro-Oeste e Nordeste. Segundo ele, também não deve ser ignorada a possibilidade do aumento da intensidade dos eventos de chuva em outras épocas, sobretudo no verão e na primavera, em todas as regiões, que podem ocasionar deslizamentos de terra e inundações, por exemplo.
Mitigação
Apesar dessa conjuntura, o pesquisador chama a atenção para o que classifica como “instrumentos que podem amenizar esse panorama”. “Nós somos ainda capazes de mitigar os impactos negativos desse quadro porque existem tecnologias já desenvolvidas e em desenvolvimento para adaptar as diferentes atividades, a exemplo do que tem sido trabalhado em diversas linhas de pesquisa conduzidas na Embrapa Hortaliças”.
Entre essas tecnologias importantes para a gestão dos recursos hídricos, ele destaca a utilização do sistema hidropônico e do cultivo protegido como ferramentas para a economia de água e o controle climático, a recomendação de sistemas conservacionistas (lavoura-pecuária-floresta), o uso do sistema de plantio direto e da agricultura orgânica – que são capazes de reter o carbono no solo -, e o reuso da água de chuva e dos efluentes domésticos e industriais após tratamento adequado.
Pacheco insere nesse contexto o papel desempenhado pelo melhoramento genético, com a busca por cultivares adaptadas a temperaturas extremas, eficientes no uso da água e nutrientes, e que apresentem tolerância a doenças e pragas emergentes (sobretudo nos cenários climáticos projetados).
Como reforço à sua argumentação, ele registra que, ao contrário de algumas máximas que circulam em torno do tema, a nossa agricultura é muito voltada para o desenvolvimento de sistemas que chamamos de conservacionistas. “Se observarmos o desenvolvimento da agricultura de grãos no Brasil, boa parte dele foi realizada com base no sistema plantio direto e tem sido buscado nesse momento o uso da integração lavoura-pecuária-floresta, capaz de sequestrar carbono e melhorar significativamente a qualidade do solo”, assinala. “Acredito que de todos os setores da economia no Brasil talvez o que mais tem atuado no campo da sustentabilidade seja o da agropecuária”.