O próximo presidente do Brasil vai precisar de um reforçado estoque de credibilidade para compensar, a partir de 1º de janeiro de 2015, as medidas que deverá tomar para colocar a economia em movimento. A falta de chuvas que levou o abastecimento dos reservatórios das hidrelétricas a um nível crítico, deve impor uma “racionalização” no uso de energia elétrica equivalente a 1/3 da intensidade do que foi observado em 2001. Essa racionalização poderá ocorrer via racionamento ou aumento de tarifas, deve reduzir a renda disponível dos brasileiros e descontar cerca de 0,2 ponto percentual do crescimento trimestral do Produto Interno Bruto (PIB), calcula o economista-chefe da Mauá Sekular Investimentos, Alessandro del Drago. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: A Mauá acabou de rever a projeção para a taxa de crescimento?
Alessandro del Drago: Estamos revendo as projeções para o crescimento de 2014 e, principalmente, para 2015, por duas razões. A primeira delas é acreditarmos que 2015 será um ano de ajuste. Após as eleições, teremos algum tipo de ajuste fiscal e um ajuste monetário adicional em função de um realinhamento de preços administrados. Também incluímos na conta algum tipo de racionalização de energia, que deve ocorrer ao longo dos próximos trimestres.
Valor: Racionalização é diferente de racionamento, certo?
Drago: Sim. Racionalização pressupõe algum tipo de contenção do uso de energia elétrica, que pode ocorrer via racionamento, ou aumento de preços, para inibir, ou desincentivar, o consumo. Seja qual for o instrumento, algum tipo de controle de demanda de energia vai ter que ser feito.
Valor: A Mauá mapeou as condições de oferta e demanda?
Drago: Fizemos uma simulação. Pegamos os patamares atuais dos reservatórios das quatro regiões (Sudeste, Nordeste, Sul e Norte) e o padrão sazonal a partir do mês de abril, e nas regiões Sudeste e Nordeste chegamos a 10% do nível dos reservatórios em outubro. Esse nível é crítico. Consultores do setor privado sugerem que esse nível de 10%, ou até um pouco mais, dependendo da usina, pode comprometer o funcionamento das termelétricas. O sistema entra em risco. Portanto, esse nível não deve ser atingido. Em algum momento, será preciso adotar algum tipo de racionalização no uso da energia.
Valor: O sr. quantifica essa racionalização?
Drago: A nossa hipótese é de racionalização de energia equivalente a 1/3 da intensidade do que foi observado em 2001, o que corresponde a uma contenção de 6,5% no consumo. E essa racionalização deve durar até o fim da próxima estação chuvosa.
Valor: E o efeito geral na economia…
Drago: Em nosso modelo, essa racionalização corresponde a um choque de 0,2 ponto percentual no crescimento trimestral do PIB. Com isso, nossa projeção para o PIB de 2014 é de 1%, ante 1,4% anterior. Para o PIB de 2015 esperávamos aumento de 1,15% devido ao ajuste fiscal e monetário que consideramos que ocorrerá. Incluindo a racionalização da energia, nossa projeção de crescimento para o ano que vem é de 0,15%. A partir das novas condições as projeções para o IPCA de 2014 e 2015 passam a 6,4% e 6,2%.
Valor: Para 2015, temos agora o ajuste fiscal, o monetário e a racionalização de energia. São esses os três componentes que vão destruir o nosso crescimento?
Drago: Exato. Para 2015, comparamos algumas variáveis importantes para o crescimento em 2003 e 2011, anos de ajustes pós-eleições. Em 2015, as condições monetárias indicarão contração. Não serão muito diferentes das encontradas em 2003 em termos de aperto do crédito. Por outro lado, o ajuste fiscal será similar ao que tivemos em 2011, se o objetivo for alcançar superávit primário limpo de 2% do PIB. A combinação de condições financeiras apertadas, um ajuste fiscal de 2% do PIB e, adicionalmente, o realinhamento dos preços administrados, acaba eliminando um pouco de renda disponível. O reajuste dos transportes e da conta de energia produz esse efeito, porque leva o cidadão a apertar o orçamento em algum outro lugar e acaba ocorrendo a redução do consumo das famílias.
Valor: O realinhamento dos preços administrados afetará a renda disponível, mas o sr. vê desemprego a partir daí?
Drago: Sim. Em nossa análise já vemos um nível muito baixo de geração de emprego. A variação do crescimento interanual, em relação a um ano atrás, considerando a população ocupada, está em zero. Estagnou a geração de emprego. Normalmente, com o crescimento da população, que chamamos de População Economicamente Ativa (PIA), a taxa de desemprego deveria estar subindo. Mas a criação de emprego é coincidente com períodos recessivos. A taxa de desemprego não sobe, porque o número de pessoas em idade economicamente ativa -as empregadas, ou que estão procurando trabalho – tem decrescido. É um fenômeno que não se vê na série histórica do IBGE, que começa em 2001. Por algum motivo, as pessoas estão deixando de procurar trabalho. Arrisco afirmar que o motivo pode ser porque estão estudando mais, ou porque os incentivos do governo incentivam as pessoas a deixar o mercado de trabalho. Mas são hipóteses. Se não tivéssemos essa flutuação no mercado de trabalho, a taxa de desemprego teria subido de 4% em janeiro de 2013 para 6,1% em março deste ano.
Valor: Mas não é isso o que se vê…
Drago: Os números do mercado de trabalho do IBGE, mostrando desemprego baixo, estão escondendo uma dinâmica do mercado de trabalho que não é boa. Há uma desaceleração na geração de empregos formais.
Valor: Quais serão as medidas de ajustes em 2015? Como vão interferir nas expectativas?
Drago: Pode ser um ajuste gradual ou choque. Vai depender de quem estará lá. A dúvida é a velocidade com a qual os ajustes dos preços administrados vão ocorrer. Em um ano, um semestre, dois ou três anos?
Valor: Isso vale apenas para os preços administrados?
Drago: Para os preços administrados e eventualmente também o ajuste monetário. E os efeitos dependem da velocidade do ajuste. Se for rápido, e o alinhamento de preços puxar a inflação, haverá necessidade de um ajuste adicional de política monetária. A confiança pode jogar a favor.
Valor: Qual é o seu cenário para inflação?
Drago: A inflação não desacelera. Temos 6,4% para este ano e 6,2% para 2015. Portanto, a inflação permanece em patamar elevado, mas com uma composição um pouco mais benigna. Acreditamos que a composição da inflação no ano que vem será diferente da deste ano. Os preços livres, que em meados do ano passado estavam rodando a 8% em 12 meses, vão fechar 2014 a 6,8% e a 5,9% em 2015. A parcela dos administrados fechou 2013 em 1,5%, deve fechar este ano perto de 5% e, 2015, a 7%. Nesse cenário não há ajuste completo dos preços administrados. A inflação de preços livres deve desacelerar neste ano e em 2015.
Valor: Quais são as perspectivas para o cenário econômico?
Drago: Ainda é de baixo crescimento em 2014 e 2015 e de inflação cheia elevada. No cenário para 2016, a inflação deve apresentar algum recuo, porque boa parte dos ajustes dos preços administrados já terá sido feita e esses preços poderão estar rodando em níveis condizentes com os preços livres. Se estamos falando de expansão de 1% este ano e praticamente zero no ano que vem, o país estará crescendo abaixo do PIB potencial.
Valor: Se na sua projeção o PIB crescerá 1% neste ano, chegaremos a ver o PIB trimestral caindo?
Drago: Não. Temos projeção de 0,25% de crescimento no primeiro trimestre deste ano, 0,10% para o segundo trimestre e neste mesmo nível até o fim do ano. Esse é o retrato de uma economia que parou.