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Eucalipto transgênico rende 20% a mais que árvore convencional

Mais celulose por centímetro quadrado.

Eucalipto transgênico rende 20% a mais que árvore convencional

Na aparência, a pequena plantação de 2,2 hectares de eucaliptos, numa fazenda no município de Angatuba (SP), não tem nada de incomum. Mas as diferenças existem e estão nas células dessas árvores que receberam a inserção de um gene de outra espécie, a Arabidopsis thaliana, uma planta-modelo muito usada em experimentos genéticos. Com a alteração, elas se tornam capazes de produzir 20% mais madeira em relação aos congêneres Eucalyptus.

A pequena floresta de eucaliptos transgênicos em crescimento é um dos quatro plantios experimentais dessa árvore geneticamente modificada realizados pela FuturaGene, empresa dedicada ao melhoramento da produtividade e sustentabilidade de florestas cultivadas para os mercados de celulose, bioenergia e biocombustíveis. O objetivo é avaliar a biossegurança dos transgênicos para verificar se eles causam impactos e interferências no ambiente e em outros vegetais.

A FuturaGene foi fundada em Israel, em 1993, como uma empresa incubada na Universidade Hebraica de Jerusalém, dedicada à engenharia de proteínas, com o nome de CBD Technologies. Em julho de 2010 ela foi comprada pela brasileira Suzano Papel e Celulose. Os experimentos realizados no interior paulista, na Bahia e no Piauí são um passo necessário para a liberação comercial de plantas geneticamente modificadas, exigido pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão responsável no Brasil pela avaliação de produtos transgênicos. “Esses quatro plantios que realizamos em 2012 totalizaram nove hectares”, conta Eugenio Ulian, vice-presidente de assuntos regulatórios da FuturaGene. “O objetivo é fazer observações e colher dados para atender aos requisitos da lei de biossegurança e no futuro apresentar um pedido de liberação comercial à CTNBio. A perspectiva é de que esse produto possa ser aprovado para uso comercial em aproximadamente quatro anos.”

O gene que foi introduzido no eucalipto codifica uma das enzimas específicas que participam da formação química da celulose, a endoglucanase. “A FuturaGene descobriu uma forma de, por meio da expressão do gene da Arabidopsis thaliana para essa enzima nas plantas, alterar a estrutura da parede celular (que é composta de celulose) das árvores transgênicas”, diz Ulian. “Dessa forma, o gene exógeno faz com que as células depositem mais celulose na formação das paredes celulares da árvore, o que, no caso de espécies como o eucalipto, resulta num maior volume de madeira.”

A parede das células de uma planta é um composto químico que consiste de celulose, um polímero de unidades de glicose, emaranhada em outros polímeros complexos, como hemicelulose e lignina. Isso forma uma estrutura rígida em volta da célula vegetal, que relaxa apenas para permitir que ela aumente de tamanho e se divida. “A tecnologia da FuturaGene torna possível a produção de espécies com paredes celulares modificadas, capazes de acelerar seu relaxamento e sua reconstituição durante o crescimento normal da árvore”, explica Ulian.

“A inserção do novo gene no eucalipto resulta em um crescimento acelerado e maior produtividade.” São bons motivos para que as indústrias de papel e de energia se sintam atraídas por essa tecnologia. A celulose extraída da parede celular da planta é a matéria-prima de toda fibra industrial utilizada na fabricação de papel, chapas e madeira. Além disso, gera material para uma série de outros produtos florestais ou agrícolas, incluindo os açúcares que serão usados no futuro na produção do etanol de segunda geração, ou ainda em compostos químicos utilizados em bioplásticos. No caso do eucalipto transgênico desenvolvido pela FuturaGene, além de produzir 20% a mais de celulose do que as plantas normais – que geram em média 45 metros cúbicos por hectare -, ele pode aumentar a produtividade de madeira de 30 a 40% para uso em outras aplicações, como em bioenergia, por exemplo.

Até chegar a essa planta geneticamente modificada, a FuturaGene percorreu um longo caminho. As primeiras pesquisas, que levaram ao eucalipto transgênico, começaram a ser realizadas logo depois de sua fundação na Universidade Hebraica de Jerusalém. “Muitos estudos foram realizados com diversos genes envolvidos na formação da parede celular que foram clonados e introduzidos para superexpressão em espécies-modelo como a própria Arabidopsis, em álamo e no próprio eucalipto”, conta Ulian. “O gene de endoglucanase foi escolhido para continuar os trabalhos porque apresentou os melhores resultados.”

A FuturaGene já plantou 12 áreas experimentais com eucalipto transgênico. Os primeiros cultivos foram realizados em 2006 e 2007 em Israel e no Brasil. Os trabalhos continuaram depois de sua aquisição pela Suzano, com novos plantios no Brasil. Em 2012, além dos nove hectares cultivados com a espécie geneticamente modificada original, outros seis foram plantados com sementes oriundas de cruzamentos realizados entre o transgênico e matrizes convencionais, visando selecionar clones melhorados com a característica de aumento de produtividade.

Desde 1998 a Suzano também desenvolve projetos em parceria com o professor Carlos Alberto Labate, do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). “São trabalhos voltados para a área de biotecnologia e genômica funcional do eucalipto”, conta Labate. “Nós já tivemos dois projetos financiados pelo Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP aprovados e agora estamos no terceiro.” No primeiro projeto Pite o objetivo era o de desenvolver a metodologia de transformação genética do eucalipto.

“O meu aluno de doutorado Esteban Roberto González foi contratado pela Suzano e hoje é o gerente de pesquisa e desenvolvimento da FuturaGene”, diz o pesquisador da Esalq, que assumiu em janeiro a função de diretor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE). “A metodologia que desenvolvemos foi patenteada e todo o conhecimento que geramos foi de certa maneira transferido para a empresa. Além disso, até hoje nós realizamos reuniões frequentes e treinamentos de pessoal na FuturaGene, o que nos permite uma interação muito boa com a empresa.”

Teores de açúcar – No segundo projeto Pite o pesquisador da Esalq desenvolveu várias plantas transgênicas de eucalipto com alteração na expressão de genes relacionados à síntese de carboidratos da planta. “O objetivo do projeto foi aumentar a quantidade de xilanas na madeira do eucalipto”, explica. “Essas plantas transgênicas estão com a FuturaGene, que deve realizar os ensaios de campo.” A xilana é uma hemicelulose, um polímero de xilose (um açúçar presente na madeira), que tem um papel importante no branqueamento de polpas de celulose e nas propriedades do papel. Modificar os teores desse açúcar na planta permite aumentar a produção e diferenciar as propriedades das polpas e dos papéis produzidos.

Para 2013, os planos da FuturaGene são plantar 30 hectares com eucaliptos geneticamente modificados para testes. “O objetivo é testar novas alterações genéticas, que eventualmente poderão dar origem a outros produtos, com a mesma característica de aumento de produtividade já presente no primeiro eucalipto transgênico, mas contendo genes diferentes ou construções genéticas melhoradas”, informa Eduardo José de Mello, vice-presidente de operações Brasil e gerente de melhoramento florestal da FuturaGene. “Por isso, consideramos que os experimentos deste ano servirão para a seleção de novos produtos.”

Além disso, a empresa está trabalhando em seus laboratórios para desenvolver espécies com resistência a pragas e doenças e que possibilitem um melhor manejo de plantas daninhas e melhoramento da qualidade da madeira. Além da biossegurança, nos testes que a FuturaGene realiza também está sendo verificado o comportamento do eucalipto transgênico em diferentes espaçamentos de cultivo. “Essa informação será importante para o planejamento de futuros plantios em função de sua finalidade, como produção de energia, chapas ou celulose, por exemplo”, diz Mello. “Devido à alta produtividade do transgênico e dependendo da finalidade da biomassa, as colheitas poderão ser realizadas em idades mais precoces, com 5 anos e meio.” O eucalipto convencional só atinge a mesma produtividade aos 7 anos.

Hoje, de acordo com Mello, o Brasil detém a maior produtividade mundial na cultura do eucalipto. Esta superioridade foi alcançada em razão do clima favorável e do desenvolvimento tecnológico realizado no país. “O melhoramento genético convencional, por meio da seleção e propagação dos melhores indivíduos, ofereceu uma importante contribuição para os ganhos de produtividade, mas a tendência é que eles fiquem cada vez mais difíceis de ser superados”, diz Mello. “A biotecnologia, por meio do uso de transgênicos, será uma ferramenta importante para o Brasil manter-se na dianteira da produtividade e continuar competitivo no mercado de madeira de eucalipto e seus derivados.” A Suzano é atualmente a segunda maior produtora mundial de celulose de eucalipto e a receita líquida da empresa atingiu R$ 4,8 bilhões em 2011, sendo que mais de 50% das vendas seguem para o mercado externo.

A manipulação genética de plantas também poderá ter um papel importante na manutenção e preservação das matas nativas de todo o mundo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), há no planeta cerca de 4 bilhões de hectares cobertos com floresta, o que representa em torno de 27% da área das terras emersas do globo. Estima-se que hoje o consumo mundial de madeira chegue a cerca de 3,4 bilhões de metros cúbicos por ano, com previsão de um aumento de 25% até 2020. Para atender a essa demanda, as matas nativas do planeta são derrubadas a uma taxa de 12 milhões de hectares por ano.

Segundo um estudo do Centro para Avaliação do Risco Ambiental de Culturas Geneticamente Modificadas (Cera), da Ilsi Research Foundation, uma fundação que reúne instituições de pesquisa de todo o mundo, em 2000 as matas plantadas representavam apenas 5% do total de florestas do planeta, mas contribuíam com cerca de 35% da madeira colhida. Desde então a área de cultivo de espécies arbóreas aumentou para 264 milhões de hectares, o que representa 6,6% das selvas mundiais. Calcula-se que desde o final dos anos 1980, quando os primeiros vegetais transgênicos foram liberados para cultivos comerciais, já tenham sido realizados no mundo mais de 800 experimentos de campo com árvores geneticamente modificadas de cerca de 40 espécies.