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Agricultura

Certificação de propriedades trava e já tem 20 mil na fila

Demora na certificação de propriedades rurais no país dificulta acesso de produtores a crédito rural.

Certificação de propriedades trava e já tem 20 mil na fila

Mais de 20 mil processos para certificação das propriedades rurais do país continuam parados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por falta de estrutura do órgão para analisar documentos. Segundo produtores, a demora tem obrigado parte do setor a buscar alternativas mais caras de financiamento para custeio de safra e investimento, já que essa certificação é imprescindível para o acesso ao crédito rural, assim como para a aquisição ou venda de imóveis rurais no país.

A exigência da certificação passou a vigorar em 2002 e prevê que os proprietários rurais apresentem o chamado georreferenciamento – a medição topográfica – de seus imóveis, em uma tentativa do governo federal de desatar o nó fundiário que ainda existe em grandes porções do Brasil. Por meio do monitoramento por GPS é possível estabelecer os limites do imóvel com relativo alto grau de precisão, identificando as áreas de preservação permanente (APPs), reserva legal (RL), lavouras, pastagens, reflorestamento e também áreas inservíveis ou mesmo com benfeitorias.

Mato Grosso encabeça a lista de pendências, com sete mil processos aguardando análise. Na Bahia, 1,2 mil propriedades encaminharam o pedido de certificação há mais de um ano – até agora, sem retorno. Cerca de 70% dessas propriedades estão no Oeste baiano, a nova fronteira de expansão agrícola do Estado. “Não podemos usar a área como garantia nem fazer alienações porque não temos a certificação. Não é má vontade do produtor. O problema está no Incra, mas o banco não quer saber. É desanimador”, diz Sergio Pitt, presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba). A situação se repete em 25 das 30 superintendências do Incra no país.

Financiados fortemente pelos bancos públicos, os proprietários rurais de Paragominas, no Pará, obtiveram no ano passado uma portaria inédita do Conselho Monetário Nacional (CMN), que deu a eles a possibilidade de recorrer ao crédito rural sem a apresentação da certificação de georreferenciamento no balcão do banco. Válida por 24 meses, que se encerrarão no fim deste ano, a portaria exige apenas o protocolo de entrada da documentação no Incra. A iniciativa – que contou com um pedido do Ministério do Meio Ambiente no CMN – foi uma retribuição aos esforços na regularização fundiária e ambiental, que culminaram com a saída do município da lista de desmatadores do Ibama em 2010.

“A maneira que temos de não desmatar é aumentando a produção e a produtividade. E para isso precisamos de crédito”, diz Mauro Lúcio Castro, presidente do Sindicato Rural de Paragominas. “Mas aqui também estava tudo parado”.

Segundo o prefeito Adnan Demarchi (PSDB), dois terços dos produtores de Paragominas se financiam via bancos, sobretudo o Banco da Amazônia (Basa). Ele calcula que quase 600 propriedades estão com pendências no órgão, de um total de seis mil imóveis rurais no município. “A gente ofereceu técnicos e computador pra ajudar. Não foi pra frente. Parece que não há interesse em resolver o problema. O Incra não funciona. É um paquiderme”, diz Demarchi.

Embora não quantifique dados a respeito, o Banco do Brasil admite o problema. “A falta da certificação é um dificultador para o crédito”, afirma Álvaro Tosetto, gerente-executivo de agronegócios do BB, responsável por 63% dos financiamentos bancários de pequenos e médios produtores do país.

Até agora, o Incra tem investido em duas frentes para reverter o caos instalado em suas superintendências regionais. A primeira é a capacitação de soldados do Exército em Brasília para auxiliar na análise de documentos. Cerca de 220 homens foram destacados para a função, entre soldados e contratos temporários. A outra é a automatização dos processos, de forma que no futuro seja possível enviar documentos e plantas de imóvel via internet, agilizando o processo. “Estamos fazendo um esforço para dar conta de tudo isso”, diz Richard Torsiano, diretor de ordenamento da estrutura fundiária do Incra. Ele espera que a normalização esteja finalizada em 14 meses – quando expira o termo de cooperação com o Exército brasileiro.

A falta de pessoal no Incra transformou a validação das certificações das propriedades rurais em uma bola de neve de atrasos após a publicação do decreto nº 4.449 de 2002, que regulamentou a lei nº 5.868 de 1972 e escalonou para um período de dez anos a regularização fundiária dos quase 5,2 milhões de imóveis rurais do país. Desaparelhado, o órgão se viu inundado não só de milhares de documentos, mas planilhas com as tais coordenadas georreferenciadas.

O escalonamento determinava que as fazendas agrícolas com mais de 5 mil hectares obtivessem a certificação até 2003. Propriedades entre mil e 5 mil hectares teriam até o início de 2004. As de 250 a 500 hectares deveriam obter o georreferenciamento até novembro do ano passado, e assim sucessivamente até a adequação total dos imóveis rurais brasileiros. Diante das informações sobre acúmulo de processos, no entanto, o governo federal prorrogou a data limite de novembro de 2011 para as propriedades de até 500 hectares para novembro de 2013.

A exclusão do financiamento bancário para aqueles que ainda não têm em mãos o georreferenciamento tem atingido até agora somente os grandes produtores rurais – com áreas superiores a 500 hectares – porque foi o prazo de adequação dessa faixa de imóveis que já venceu. Segundo o último censo agrícola, de 2006, 164 mil estão dentro dessa categoria. Torsiano, do Incra, afirma que 30 mil processos para o georreferenciamento já foram validados e outros 20 mil estão sob análise. Os 114 mil restantes de grandes propriedades não entraram com pedido de validação porque “ou não precisam de crédito rural [se financiam de outra forma] ou não estão sendo comercializadas”, diz ele.

Para alguns especialistas, o problema real ainda está por vir. E será quando o prazo para adequação de todas as propriedades com tamanho igual ou inferior a 500 hectares – nada menos que 5,03 milhões – expirar no final de 2013.

“Aí é que vamos ver”, diz o advogado Antônio Freitas, sócio do Luchesi Advogados, escritório especializado em agronegócio. “O governo só tem criado paliativos para resolver a questão. Imagine como vai ficar quando o georreferenciamento começar a valer pra todos”.

“Essas pessoas também serão afetadas com a falta de crédito rural”, diz Ademiro Vian, diretor-adjunto da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Isso porque são justamente as pequenas propriedades que mais recorrem ao financiamento com bancos para custear investimentos no campo.