As exigências do mercado internacional e os desafios da certificação fizeram Mato Grosso criar, há dois anos, o programa Soja Plus. Com critérios já definidos para a produção e com participação de 2 mil agricultores mato-grossenses, a iniciativa será estendida ao Paraná em julho, com meta de expansão imediata. No primeiro ano, deve oferecer cursos a 1 mil produtores paranaenses.
“É só falar em certificação que o produtor se arrepia, imagina que será gasta uma fábula de dinheiro e que não terá garantia de bônus ou prêmio”, comenta Bernardo Pires, gerente de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais – Abiove – realizadora do programa, idealizado junto com a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso – Aprosoja /MT. Em sua avaliação, o processo é menos dispendioso e mais viável do que parece.
O programa se propõe a preparar o produtor para obter uma certificação, com base em ações de sustentabilidade e foco no tripé econômico, ambiental e social. Os mil produtores a serem treinados no Paraná devem ser convidados para oficinas e dias de campo.
“A certificação é o caminho, o mercado exige”, avalia Pires. “Até 2020, quem não se adequar ambiental e socialmente, não seguir a legislação de seu país e não buscar uma certificação para obter um selo de qualidade, estará fora do mercado”, sentencia.
Em Mato Grosso, o programa mostrou que 90% dos 3,7 mil produtores de soja daquele estado (segundo o Censo Agropecuário 2006) ainda não estão em condições de certificar sua produção por não atenderem todas as exigências socioambientais. “Em vez de trabalharmos na certificação, optamos por atuar na gestão da propriedade de forma gradativa, contínua e conforme a realidade do produtor”, conta o gerente.
Rede complexa – O alinhamento da cadeia produtiva no Paraná tende a ser mais complexo do que em Mato Grosso, onde predominam grandes propriedades, conforme o setor. Como detêm propriedades de milhares de hectares, os agricultores mato-grossenses normalmente controlam também a armazenagem e, muitas vezes, o transporte, o que simplifica a implantação de mudanças.
A predominância de pequenos e médios produtores no Paraná faz com que cooperativas, cerealistas e transportadores constituam peças fundamentais do complexo da soja. “Praticamente todas as 82 cooperativas agropecuárias do estado atuam na produção de grãos”, observa Flávio Turra, gerente técnico e econômico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar).
O Soja Plus passa a depender do envolvimento da rede de empresas ligadas à sojicultura na busca de certificados. Além disso, em todo o Paraná, são 79,5 mil produtores do grãos, segundo o Censo Agropecuário 2006. O número teria passado de 80 nos últimos anos, conforme o setor produtivo.
O gerente técnico e econômico da Ocepar considera a certificação importante, mas prevê adesão limitada. “A soja produzida no Paraná é de excelente qualidade e é reconhecida por isso no mundo todo”, pontua. Ele observa que essa aceitação, no momento, não está condicionada à certificação. “Todo o processo tem que ser visto com muito cuidado, para não levar mais custo ao produtor”, avalia. A certificação tem se mostrado mais viável para o grande produtor, observa Turra.
As cooperativas trabalham na busca de certificação para seus armazéns. Para garantir sustentabilidade, a Ocepar desenvolve projetos mais específicos, como os de assistência técnica por meio das cooperativas agropecuárias. Segregação da produção, aplicação consciente de agrotóxicos e tecnologia são alguns dos pontos trabalhados. Como resultado, é apontada a consolidação do plantio direto na palha, por exemplo, que abrange mais de dois terços das lavouras de grãos. Outra meta perseguida é a redução de custos, também considerada fator decisivo para a sustentabilidade.
Fazenda modelo ganha sustentabilidade com critérios técnicos – “Fazer boas escolhas”. Essa é a receita do produtor Richard Frank Dijkstra, de Carambeí (Campos Gerais), na busca de resultados positivos. Com expectativa de colher 4 mil quilos de soja por hectare nesta safra – produtividade bem acima da estimada para o Paraná, que é de 3,1 mil quilos por hectare -, a propriedade da família é considerada modelo de sustentabilidade. Além dos resultados econômicos, integra a produção agrícola à pecuária e utiliza os resíduos nas próprias lavouras.
Pesquisa ligada diretamente à área de produção, para Richard Dijkstra, é fundamental. “Informação privilegiada e consistente referente à fertilidade do solo, híbridos, melhores cultivares, tecnologias, agricultura de precisão faz toda a diferença”, comenta. Em seu caso, a Fundação ABC fornece constantemente esse tipo de relatório. “O investimento é necessário, mas o trabalho é de anos”, acrescenta.
A fazenda Frank’Anna, uma espécie de holding familiar dos Dijkstra, se tornou referência nacional por suas ações ambientais. “O maior prêmio é o solo e a natureza bem preservados, esse é nosso maior legado”, afirma Richard. Todos os dejetos de animais e resíduos produzidos na fazenda são transformados em biofertilizantes para a lavoura, que há 20 anos adota o plantio direto, relata.
Apesar da soja certificada ainda não ser uma exigência, Dijkstra conta que já recebeu consulta de compradores holandeses sobre o produto. “É uma tendência. A rastreabilidade da produção e a certificação da soja convencional serão diferenciais”, acredita.
Com relação à aceitação dos produtores aos processos de certificação, Dijkstra tem projeções definidas: “10% são inovadores e aceitarão de imediato, 20% irão logo atrás, 30% irão demorar um pouco, mas vão se convencer. O restante não vai mudar, por uma questão cultural.” Por outro lado, o produtor pondera que a lei de mercado é soberana: “Se for uma exigência para vender, aí será diferente”.
A certificação já vem sendo adotada em pequena escala no Paraná. A Samurai Organic Foods, de Campo Largo, que tem como matéria-prima a soja orgânica, exige documentação. A produção vem de Realeza, Sudoeste do Paraná, e é certificada pelo Instituto Biodinâmico (IBD). “No mercado internacional, a certificação é mais forte. A tendência é crescer, principalmente para quem exporta”, acredita Marcos Vellozo, gerente de produção da Samurai Foods.