As exportações brasileiras para o Irã caíram 63% no trimestre compreendido entre dezembro, janeiro e fevereiro, na comparação com o mesmo período da virada de 2010 para 2011, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). No último mês do ano passado, o governo de Teerã começou a dificultar a entrada dos produtos, fazendo com que em fevereiro as vendas totais caíssem para US$ 22,6 milhões, cifra 88% menor do que o registrado no mesmo mês de 2011. Para analistas, o quadro é explicado por dois fatores: a instabilidade política e econômica no país e, principalmente, a mudança de rumo nas relações Brasil-Irã iniciada com a eleição de Dilma Rousseff.
Com a menor demanda iraniana, o produto mais afetado foi a carne bovina congelada. Entre dezembro de 2010 e janeiro e fevereiro do ano passado, o Irã era o principal destino desse produto, com as vendas chegando a US$ 203 milhões. Doze meses depois, no acumulado dos três meses, as exportações não passaram de US$ 28 milhões, fazendo dos iranianos o sexto mercado do Brasil.
Segundo Fernando Sampaio, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), o governo iraniano está segurando as autorizações de desembarque. A situação já foi discutida com os importadores. “Mas depende de um acerto diplomático. Pedimos para o embaixador brasileiro no Irã conversar com o governo local para facilitar a entrada dos produtos. Espero que a situação mude agora em março, já que é quando começa o ano novo deles”, afirma.
A mudança de posição do Brasil na Comissão de Direitos Humanos da ONU, votando a favor de uma investigação independente sobre eventuais violações aos direitos humanos, em março do ano passado, marcou o esfriamento das relações entre os dois países. Essa postura de Teerã é uma resposta, de acordo com o cientista político e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP Samuel Feldberg, à nova posição brasileira. “É um instrumento perfeitamente utilizável, para tentar gerar pressão dos exportadores brasileiros sobre o governo. Na verdade houve uma troca de prioridade na diplomacia. Enquanto Lula focou na parte econômica, Dilma mudou a diretriz para questões no sentido moral, como direitos humanos e a proliferação do programa nuclear iraniano”, diz.
Outro fator que explica a queda nas exportações é a pressão dentro do governo iraniano para que se busque maior equilíbrio no comércio bilateral. Em 2008, o Brasil vendia US$ 1,2 bilhão ao país. Três anos depois, o montante praticamente dobrou, chegando a US$ 2,3 bilhões. Na mão contrária, as vendas iranianas cresceram em porcentagem, mas permaneceram em um nível baixo no período, ao passar de US$ 14,7 milhões para US$ 35,2 milhões.
A ascensão do Irã como grande comprador do milho brasileiro nos últimos anos foi notada pelos exportadores, que agora lamentam a queda no comércio. O Mdic também registrou diminuição nas vendas do produto, que saiu de US$ 170 milhões para US$ 90 milhões. A exemplo da carne, que manteve as exportações para o mundo em um mesmo nível no último ano, o milho brasileiro diversificou os mercados para compensar a perda. Alysson Paolinelli, presidente executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), afirma que a instabilidade política e econômica do Irã contribuiu para a queda nas vendas. “Nossos exportadores estão com receio de fazer negócios por lá. Felizmente há países que estão comprando mais, como Chile, Colômbia e até o Egito.”
A visão de que a instabilidade política iraniana pode afugentar exportadores brasileiros, como dito por Paolinelli, é compartilhada pior Mauricio Santoro, cientista político e professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Muitas empresas estão com medo de fazer comércio por lá por temerem a possibilidade do aumento de sanções da comunidade internacional ao país, e até de um eventual conflito armado com os israelenses”, afirma.
A União Europeia espera dar um duro golpe na economia do Irã em julho, quando entra em vigor o cancelamento da compra do petróleo iraniano. De acordo com Santoro, a medida deve afetar até 30% das exportações da commodity, que é a principal fonte de receitas do país. “A sanção vai ter um efeito forte na balança comercial deles. E como o Irã não refina gasolina, vai ter que seguir comprando, o que vai comprometer ainda mais suas divisas internacionais”, diz.
Outra ação internacional recente também mostra que os negócios com o Irã estão sendo dificultados. O Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), que tenta coibir a lavagem de dinheiro, lançou comunicado em fevereiro para alertar sobre operações financeiras no país, que já era classificado pelo grupo como de alto risco. Para o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antonio Gustavo Rodrigues, os exportadores de carne tiveram problemas para fechar contratos em câmbio. “Os bancos não querem fazer negócio e correr o risco de sofrer sanções”, afirma.
Segundo Fernando Sampaio, a dificuldade em receber o pagamento do importador começou em 2011 – a primeira vez em que a avaliação do Gafi sobre o Irã mudou foi em fevereiro de 2011. “Mas o dinheiro estava chegando. Nosso principal problema é o desembaraço na fronteira.”