Em substituição ao petróleo, a cana-de-açúcar. A migração do combustível fóssil para fonte renovável, inicialmente vista com desconfiança, ganhou novo status no Brasil menos de um ano após o início das operações da primeira fábrica local de resina fabricada a partir do etanol.
O produto, impulsionado pela demanda de embalagens alimentícias e de itens de higiene e beleza e pelo forte apelo mundial por sustentabilidade, deixou de ser visto como um concorrente direto do plástico produzido com petróleo e deu origem a um novo mercado, cujo protagonismo tende a ser brasileiro.
O primeiro passo foi dado pela Braskem, com a instalação de uma fábrica em Triunfo (RS) no ano passado e anúncio de construção de uma nova unidade de resinas em 2013. A americana Dow Chemical e a belga Solvay também têm projetos anunciados para o Brasil, todos com base na cana-de-açúcar e voltados para nichos de mercado. “Falamos de um novo produto, que precisa cada vez mais ser diferenciado do produto convencional. É um biopolímero que deve ser comparado com outros biopolímeros”, destaca o diretor de Negócios Químicos Renováveis da Braskem, Marcelo Nunes.
A produção de resinas com uso de fontes renováveis ainda é bastante restrita mundialmente, com capacidade total de pouco mais de 700 mil toneladas anuais, segundo dados da associação europeia que acompanha o mercado de bioplásticos. A Braskem é líder, com capacidade anual de 200 mil toneladas de polietilenos (PE) verdes, volume que, entretanto, representa menos de 1% da produção mundial dessa resina. O volume excedente é concentrado principalmente em países do hemisfério norte que utilizam como matéria-prima milho e trigo, entre outros produtos.
Até 2015, a produção mundial de biopolímeros deverá ter um salto de 136%, prevê a European Bioplastics, para 1,7 milhão de toneladas anuais. Caso a estimativa seja confirmada, é previsto que o Brasil seja um dos principais destaques dessa projeção.
Fábrica – O projeto da Solvay de construir uma linha de produção de PVC a partir de fontes renováveis, interrompido durante a crise econômica iniciada nos Estados Unidos em 2008, previa a produção de 60 mil toneladas anuais de eteno verde, a partir de cana-de-açúcar, e capacidade praticamente idêntica de PVC.
A Dow, cujo projeto também ficou interrompido durante a crise, mantém em sigilo a capacidade da fábrica que construirá no Brasil em parceria com a japonesa Mitsui. O plano é ter uma fábrica com escala mundial, conceito que nos padrões de resinas produzidas a partir do petróleo representa uma capacidade mínima de 300 mil a 350 mil toneladas anuais. O projeto, assim como a unidade da Solvay, será abastecido por etanol, o que deverá ampliar a representatividade do produto extraído da cana de açúcar na fabricação total de biopolímeros.
A novidade do projeto da Dow, anunciado no mês passado, será a integração das plantações com a usina e a fábrica de resinas. Modelo semelhante será adotado nos futuros projetos verdes da Braskem – a fábrica em operação em Triunfo é abastecida por etanol produzido nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.
Para atender a unidade, a Dow e a Mitsui construirão uma usina com capacidade de 240 milhões de litros de etanol. “Mas esse volume não atenderá a totalidade da demanda (da fábrica de resina), por isso, o projeto, que ainda está em fase de estudo de engenharia inclui também uma expansão na produção de etanol”, diz o diretor de Negócios para Alternativas Verdes e de Desenvolvimento de Novos Negócios da Dow para a América Latina, Luis Cirihal.
O objetivo da Dow é, assim como a Braskem, ter um produto viável financeiramente e capaz de abrir novos mercados para a resina verde. “Falamos de um projeto a níveis competitivos globais e de uma tecnologia com espaço muito grande para avançar”, diz o executivo.
O avanço virá principalmente do desenvolvimento de novas tecnologias para a rota verde de resinas e das pesquisas sobre a cana-de-açúcar. “A produtividade comercial da cana, que em regiões mais competitivas é de 90 a 100 toneladas por hectare ao ano, poderá atingir 180 a 200 toneladas por hectare ao ano dentro de 10, 15 ou 20 anos”, diz o gerente de desenvolvimento estratégico do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Jaime Finguerut. A cana de açúcar, segundo o especialista, tem capacidade para produzir em média o dobro de biomassa do milho, o mais próximo dentro seus concorrentes.
Além das perspectivas otimistas, o ambiente atual de preços elevados do petróleo também é um ponto favorável à produção de resinas verdes. ?Acredito que o etanol como substituto da gasolina é perfeitamente viável com o petróleo entre US$ 40 e US$ 60 o barril. Hoje, com a alta de custos do etanol, essa janela está mais para US$ 60?, diz o gerente do CTC.
Retomada – A produção de resinas a partir de fontes renováveis é o resgate de uma tecnologia presente na indústria brasileira na década de 1970 e que teve como principal nome a Salgema, uma das empresas que deram origem à Braskem. Após o movimento de estímulo ao desenvolvimento de álcool no Brasil, com a criação do Proálcool, novas políticas federais em relação ao etanol e ao petróleo, juntamente com a trajetória de preços internacionais do petróleo, culminaram com o fim da competitividade da indústria alcoolquímica ao longo da década de 1980.
Três décadas depois, a disparada do petróleo antes da crise econômica iniciada nos Estados Unidos em 2008 voltou a tornar projetos com base em etanol atrativos. Outro ponto determinante para esse movimento foi a disseminação do tema Sustentabilidade entre os consumidores e, por conseguinte, dentro das empresas. “No passado, discutia-se o custo do produto e a possibilidade de existir um prêmio para tal. Agora, sabe-se que é possível aplicar esse prêmio”, diz Finguerut.