Marcos S. Jank*
Pei Guo **
Silvia H. G. de Miranda***
Nos anos 1970 o Brasil e a China, as maiores economias da América Latina e da Ásia, iniciaram reformas que colocaram os dois países entre os quatro maiores produtores e exportadores mundiais de produtos agropecuários e alimentos.
Em 1978 Deng Xiaoping iniciou reformas que levaram mais de 200 milhões de chineses a deixar a zona rural para trabalharem nas novas manufaturas do país, formando a maior classe média emergente do planeta. Isso permitiu que a agricultura chinesa se modernizasse, incorporando tecnologia, insumos modernos e escala de produção. Ao mesmo tempo, sabiamente o país decidiu se especializar em atividades intensivas em mão de obra, como aquicultura (pescados) e hortifrutigranjeiros, hoje os setores mais dinâmicos da pauta de exportações agrícolas da China. Mais tarde, o impacto da chamada indústria 4.0 sobre as cadeias agroalimentares chinesas ficou evidente, levando digitalização, drones, estufas flexíveis, inteligência artificial, robótica e comércio eletrônico para o campo.
Nesse mesmo período o Brasil descobriu a fórmula para vencer as dificuldades da produção agrícola em regiões tropicais dominadas por solos pobres e pragas abundantes. A solução veio da combinação de tecnologias inovadoras e agricultores capacitados que migraram para os cerrados do Centro-Norte do País, ganhando produtividade e combinando economias de escala (grandes propriedades) e de escopo (duas safras por ano, integração lavoura-pecuária). O Brasil especializou-se em atividades intensivas em terra e capital, a exemplo do complexo integrado de produção de grãos e carnes e da produção eficiente de açúcar, etanol e bioeletricidade de cana-de-açúcar.
As profundas transformações do Brasil e da China se casaram em 2000, quando a demanda explosiva por proteína animal (carnes, pescados e lácteos) da classe média emergente chinesa se encontrou com a imensa oferta de soja do cerrado brasileiro. A soja, uma planta originária da China, é a principal fonte de proteína da alimentação animal.
De 2000 a 2020 as importações chinesas saltaram de 2% para 35% da pauta exportadora do agronegócio brasileiro, tornando a China, de longe, a principal cliente global do Brasil. O agronegócio responde por metade das exportações totais do Brasil para a China.
No sentido inverso, o Brasil tornou-se o principal fornecedor de produtos agropecuários para a China, respondendo por 20% das importações do país asiático e ocupando o primeiro lugar nas importações chinesas de soja, celulose, açúcar, algodão e carnes bovina e avícola.
O comércio do agronegócio decolou entre os dois países, mas muito ainda pode ser feito para ampliá-lo nos dois sentidos, aumentando volumes e diversificando e diferenciando os produtos comercializados. Mas o comércio não é tudo. Há imensas oportunidades para maior cooperação entre os dois países em áreas como investimentos, infraestrutura, sustentabilidade, ciência e inovação.
A China poderia beneficiar-se dos conhecimentos sobre tecnologia tropical brasileira na agropecuária e em bioenergia, principalmente em etanol combustível. O Brasil poderia conectar-se à revolução digital, de drones e do comércio eletrônico da China. O Brasil carece de capital e investimentos na agricultura e de melhorias na infraestrutura de apoio ao setor. Os dois países enfrentam grandes desafios no tema da sustentabilidade: o Brasil, nas questões ligadas a desmatamento ilegal, biodiversidade e uso da terra; a China, em temas como falta de água, degradação de solos, poluição do ar e mau uso de pesticidas.
O tema da sanidade e segurança do alimento tornou-se central neste momento de pandemia global. As cadeias da proteína animal dos dois países poderiam estar mais integradas, com a construção de uma sólida parceria estratégica de longo prazo no setor.
Os temas acima listados fazem parte do livro Parceria Brasil-China para a Agricultura e a Segurança Alimentar (China-Brazil Partnership on Agriculture and Food Security), que será lançado na próxima semana pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq-USP) e pela China Agricultural University (CAU), sob a nossa coordenação.
São 12 capítulos em inglês que trazem análises e perspectivas chinesas e brasileiras de 24 especialistas ligados às duas universidades. O livro analisa a evolução da agricultura e das políticas agrícolas nos dois países, os casos de maior sucesso internacional e uma ampla discussão sobre temas-chave da relação bilateral, como comércio, infraestrutura, investimentos, inovação e sustentabilidade.
O lançamento será feito por meio de um debate virtual organizado pela Esalq no dia 3 de junho às 10 horas, em seguida será posta à disposição a versão eletrônica do livro para download gratuito. Trata-se provavelmente da mais completa obra já produzida sobre as relações Brasil-China no agronegócio.
(*) Marcos Sawaya Jank é professor de agronegócio global do Insper e titular da Cátedra Luiz de Queiroz da Esalq-USP.
(**) Pei Guo é professor titular e ex-reitor da Faculdade de Economia e Administração da China Agricultural University (CAU).
(***) Silvia H. G. de Miranda é professora associada e vice-diretora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) da Esalq-USP.