Uma redução no financiamento por parte de bancos europeus começou a ser sentida por empresas da África, Austrália e América Latina, tornando mais caro e difícil tomar empréstimos e aumentando a pressão sobre economias em desaceleração.
Os bancos europeus aumentaram sensivelmente o crédito para os mercados emergentes e se tornaram alguns dos maiores credores internacionais nesses países. O recuo deles apertou o crédito para várias indústrias – aeronáutica, comunicação, mineração – prejudicando ainda mais economias que já sentem os efeitos da redução da demanda dos países desenvolvidos por suas exportações.
O temor agora é que mesmo um recuo modesto no crédito possa se transformar numa repetição do aperto de crédito de 2008 que ocorreu após o colapso do Lehman Brothers. Na época, a redução do crédito disponível forçou empresas a lutarem para garantir recursos e colaborou para o maior encolhimento do comércio mundial desde a Grande Depressão, nos anos 30.
“Estamos numa posição muito vulnerável que realmente está tendo um impacto no crescimento mundial”, disse Gail Kelly, diretora-presidente do banco australiano Westpac Bank, na conferência de diretores-presidentes CEO Council, promovida pelo The Wall Street Journal na semana passada. “Isso está tendo um impacto no meu país e na Ásia.”
O banco italiano UniCredit e o alemão Commerzbank prometeram nas últimas semanas reduzir as atividades de crédito fora de seus mercados domésticos, que são os seus principais. Alguns bancos franceses estão fugindo do mercado na Ásia e Austrália depois de se tornarem participantes significativos em vários empréstimos consorciados, em que os bancos se reúnem para emprestar grandes somas.
“O principal problema é a saída completa dos bancos franceses do mercado”, disse John Corrin, que dirige em Hong Kong a parte de empréstimos consorciados do Australian and New Zealand Banking Group Ltd. “Eles eram participantes consideráveis do mercado, respondendo por 10% desse empréstimos na Ásia e Oceania.”
O banco francês BNP Paribas SA, um dos maiores do mundo em ativos, informou mês passado que vai abandonar um compromisso de emprestar 300 milhões de dólares australianos (US$ 294,81 milhões) para um empréstimo consorciado de A$ 1,95 bilhão para a empresa australiana Seven West Media Ltd., deixando um buraco para ser tapado pelo resto do consórcio, formado principalmente por bancos da Austrália.
Um porta-voz do BNP Paribas em Sydney disse que a decisão se baseou “em exigências de alocação de reserva de capital e outras oportunidades”. O empréstimo era para ter sido concluído na sexta-feira mas não possível fazer isso. A Seven West Media não respondeu a um pedido para comentar a questão.
Os cortes no crédito estão sendo impulsionados pela pressão sobre os bancos europeus para aumentarem a reserva de capital e compensar assim prejuízos com empréstimos, muitos deles ligados a governos europeus problemáticos. Alguns bancos estão vendendo ativos e emprestando menos, o que torna os financiamentos mais caros e difíceis de obter. Essa combinação pode reduzir o crescimento econômico tanto em seus países quanto nos mercados distantes em que esses bancos operam.
Como a Europa tem um setor financeiro substancial que opera no mundo inteiro, os problemas da zona do euro estão tendo “efeitos maiores e desproporcionais, especialmente nas economias emergentes”, disse semana passada no CEO Council o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner.
Para piorar a pressão sobre o crédito, alguns bancos europeus estão tentando vender empréstimos para limpar seus balanços.
Isso acaba aumentando a oferta de empréstimos disponíveis para os bancos investirem e “tem um impacto negativo” na disposição dos bancos de participarem em novos empréstimos para empresas, disse Mark Leahy, diretor de concessão de empréstimos e consórcio de renda fixa para a Ásia, exceto Japão, da Nomura Securities em Cingapura. Isso vai acabar levando a uma alta nos custos de financiamento, disse ele.
A Embraer SA, quarta maior fabricante de aviões do mundo, informou que algumas companhias aéreas estão tendo dificuldade para conseguirem financiamento para a compra de novos aviões. “O mercado de capitais ainda está praticamente fechado para transações com aviões”, disse Frederico Curado, diretor-presidente da Embraer. “O crédito está muito seletivo, o que não necessariamente é ruim, com as companhias aéreas mais fortes recebendo termos mais favoráveis que as de nota de crédito pior.”
Vendas de aviões ainda estão sendo fechadas com financiamentos de agências de crédito para exportação e de empresas de leasing, disse ele.
Na Nigéria, o banco de investimentos Africa Finance Corp. está lutando para manter vivos dois acordos de US$ 200 milhões para projetos petrolíferos, depois que os bancos europeus recuaram dos negócios.
“Tem havido muita cautela entre os bancos europeus”, disse Osam Iyahen, diretor de petróleo e gás da AFC, da qual o Banco Central da Nigéria tem uma fatia. “Teremos de encontrar capital novo para tentar solucionar esse buraco até as coisas se acalmarem do outro lado do mundo.”
Os bancos da zona do euro iniciaram uma onda gigantesca de empréstimos para os mercados emergentes nos últimos anos, para tentarem se diversificar do lento crescimento de seus mercados domésticos. O crédito dos bancos da zona do euro para países emergentes aumentou quatro vezes de 2005 a meados de 2011, para US$ 2,4 trilhões, segundo o Royal Bank of Scotland e o Banco de Compensações Internacionais, ou BIS, que é tido como o banco central dos bancos centrais. Esse valor caiu quase 20% depois da crise do Lehman, mas começou a se recuperar no começo de 2010. Outra queda parecida causaria “contração e deslocamento significativos na economia e nos mercados”, segundo o RBC.
Os países mais expostos estão no Leste Europeu; na República Tcheca, por exemplo, os bancos da zona do euro emprestaram o equivalente a mais de 105% do produto interno bruto do país, segundo dados do BIS compilados pela RBC Capital Markets.
A América Latina é o segundo mercado mais exposto aos bancos da zona do euro, com empréstimos ao Chile equivalentes a 40% do PIB do país, seguidos por financiamentos da ordem de 18% do PIB no México e de 15% no Brasil. A Ásia é a região menos exposta. Os empréstimos da zona do euro para a China representam apenas 2% do PIB do país, e na Índia o porcentual é de 4%.
O diretor-presidente da maior mineradora do mundo, a BHP Billiton Ltd., alertou na assembleia de acionistas quinta-feira que pioraram os termos do financiamento comercial para os clientes do ferro, cobre e outras matérias-primas que ela produz, o que aumentou ainda mais a cautela deles.