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Frigoríficos querem dar sabor à marca

As empresas decidiram recorrer ao marketing, algo novo nesse mercado, para estimular a clientela a chegar a um açougue e escolher seus respectivos produtos.

Redação (16/03/2009) – "Por favor, quero uma picanha Bertin, uma maminha Friboi e uma costela Minerva". Hipotético, o pedido acima pode até nos parecer estranho hoje, pois não é comum um consumidor comprar carne conforme a marca. Mas, se depender das empresas do setor, a história vai ser diferente num futuro bem próximo. Elas decidiram recorrer ao marketing, algo novo nesse mercado, para estimular a clientela a chegar a um açougue e escolher seus respectivos produtos.

As mudanças na comunicação refletem uma transformação vivida pelo setor desde a metade desta década. As líderes da área rumaram para a profissionalização, inclusive com abertura de capital (eram comuns as denúncias de abate clandestino e sonegação de impostos) e internacionalização (compra de empresas no exterior). Também houve alteração no perfil dos negócios, com algumas companhias se posicionando como indústrias de alimentos (com a industrialização de pratos e aquisição de empresas de outras proteínas, como suínos, aves e lácteos).

Um dos maiores frigoríficos do País, o Bertin começou a sua ação no Carnaval, patrocinando o Bar Brahma e comercializando espetinhos no Sambódromo Paulista. "Queremos replicar a ideia para outros eventos", diz Marcos Scaldelai, diretor de marketing do Bertin. As "festas de peão de boiadeiro" estão nos planos. Segundo ele, ao comercializar a carne no sambódromo e oferecê-las nos camarotes, a empresa permite ao consumidor "experimentar a marca". "O brasileiro foi acostumado a comprar de uma forma, e a Bertin quer fazer diferente".

Ele acrescenta que o trabalho com a carne se faz necessário porque a organização já tem a experiência nos lácteos – em 2007 adquiriu a Vigor. Diz ainda que a indústria vai retrabalhar a comunicação tanto dos industrializados – com lançamento de produtos – como dos produtos in natura. Scaldelai conta que, em um primeiro momento, não haverá publicidade.

Diversificação

O analista Fabiano Tito Rosa, da Scot Consultoria, lembra que o processo de diversificação dos frigoríficos começou há pouco mais de dois anos e só não continuou por causa da crise. Ele explica que, entre 2002 e 2006, o setor se capitalizou com bons resultados em exportações e abriu capital. O resultado, segundo ele, foi a ida às compras, primeiro dentro de suas áreas de atuação (boi) e, depois, diversificando o conjunto de produtos para agregar valor e utilizar a logística.

Um dos primeiros a iniciar o processo foi o JBS , que agora reformula sua comunicação, investindo por ano 10% a 15% a mais em comunicação. A empresa fez uma pesquisa no ano passado para mudar o posicionamento de suas marcas, trabalho que deve ser implantado em 2009. O levantamento, segundo o gerente de marketing, Flavio Saldanha, mostrou que o consumidor quer uma carne vermelha, não muito gorda e fresquinha, apontando diferenças entre preferências e dias de compra de mulheres e homens. "Vamos, mais uma vez, adaptar a carne à preferência do consumidor". Uma das primeiras ações de marca da JBS começou há sete anos com o projeto Açougue Nota 10, em que o frigorífico "administra" o açougue do varejista, capacitando o pessoal.

A JBS tem uma comunicação para cada marca. Na Maturatta, por exemplo, houve campanha publicitária até setembro passado, em rádios e títulos masculinos, pois é uma carne de churrasco. A empresa também já havia utilizado ponto-de-venda e realizado duas edições do estilo "prove e aprove" – em bares onde o consumidor era convidado a provar a carne e votar naquele que ofereceria a melhor iguaria. Segundo ele, as ações de marketing aumentaram em 45% das vendas.

Para a marca Organic Beef, a JBS trabalha na formação do conceito de carne orgânica, por meio de palestras em supermercados e a veiculação de publicidade em revistas de gastronomia.

A aquisição da americana Swift Company, em 2007, marcou a entrada da JBS no segmento de proteínas e o reforço na globalização da marca, pois a brasileira já havia adquirido outras empresas que detinham o nome Swift no mundo. No Brasil, a companhia rejuvenesceu a marca e lançou produtos, para estar presente "do café da manhã ao jantar". É agora, "depois da lição de casa feita", segundo Saldanha, que a marca prepara ações no ponto-de-venda.

O gerente de marketing da JBS acredita em uma evolução rápida do consumidor em relação às marcas e lembra que, há duas décadas, os cortes atuais das carnes não existiam.

A avaliação é de que o setor está em uma "quarta fase" em relação à compra: na primeira, escolhia-se entre traseiro e dianteiro; depois carne de primeira ou segunda. Hoje a compra se dá por cortes. A próxima etapa, segundo ele, é a escolha pela marca.

Valor

O diretor acadêmico da pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Edson Prestelli, explica que, quando uma empresa trabalha com commodity, como as carnes, geralmente busca agregar valor a seus produtos. "Muitas companhias fazem essa migração. Ao fazê-la, precisam mudar suas estratégias de mercado, incluindo uma comunicação mais intensa", diz. O resultado, segundo ele, é o investimento em embalagem e um "esforço em comunicação".

O diretor de marketing do Grupo Marfrig, Sergio Mobaier, diz que a proposta da empresa é trabalhar todos os pontos de contatos com o consumidor. Outro objetivo é se mostrar como uma organização de alimentos, e não mais de agroindústria. As mudanças podem ser vistas nas embalagens, principalmente de produtos industrializados, em ações no ponto-de-venda e em anúncios veiculados em revistas especializadas.

Segundo ele, a empresa quer ser reconhecida como aquela que oferece uma solução completa de alimentos, do café da manhã ao jantar. O frigorífico ingressou em áreas nas quais não atuava, aqui e no exterior, como aves e suínos. Isso o levou a vender produtos de maior valor agregado. Mobaier explica que a fase na qual a empresa se encontra é do desenvolvimento das marcas.

Mobaier acredita que hoje exista um segmento que consome carne por marca e está disposto a desembolsar uma verba maior pelo produto em troca de qualidade. Ele cita como exemplo a linha "Bassi", da própria Marfrig, considerada "de grife" pelo executivo. A mesma estratégia é desenvolvida para as demais marcas: Mabella, DaGranja, Palatare e Pena Branca.

Mercado interno

No Minerva o interesse por desenvolver a marca nasceu no ano passado quando a empresa passou a trabalhar mais com o mercado interno e com produtos de maior valor agregado. "Deixamos de ser só carne em in natura", diz Ana Paula Bortolo, gerente de marketing da indústria. O resultado foi a mudança no slogan, que passou de "qualidade em carnes" para "qualidade em alimentos".

As ações de marketing do Minerva contam com promotores em supermercados, degustação, campanha de relacionamento (sorteio para a ida à festa de Barretos), a identidade visual em aventais de açougueiros e publicidade em revistas do especializadas em serviços de alimentos. "Estamos em um processo de mudança na comunicação", diz Ana Paula.

O economista e sócio da RC Consultores, Fábio Silveira, lembra que existe um processo de "enobrecimento" da marca, fruto também do acirramento da concorrência.

Para o diretor da consultoria AgraFNP, José Vicente Ferraz, o fato está mais relacionado com a mudança do setor do que com a crise. "Quando se tornaram empresas de alimentos, consolidaram marcas. Quando há marca, investe-se em comunicação".

Setor enfrenta dificuldades com a crise

Nos últimos três anos, os frigoríficos brasileiros foram às compras. Alguns se internacionalizaram – como o JBS, que se tornou o maior do mundo -, outros se diversificaram, ampliando a atuação para diferentes tipos de carnes e também em leite. Até 2006, o setor estava capitalizado graças ao bom desempenho das exportações. Mas no ano seguinte os custos de produção subiram muito, o que afetou as margens das empresas.

Com a crise financeira deflagrada no ano passado, as dificuldades aumentaram, levando parte do mercado a ser vendida ou pedir recuperação judicial. Um desses casos é o do Independência, um dos cinco maiores do País. O Independência é o sexto frigorífico a entrar com pedido de recuperação judicial desde o final de 2008. Motivo: queda nas exportações e dificuldade para a obtenção de crédito.

Analistas de mercado já alertavam que, durante o processo de consolidação, os menores seriam engolidos pelos maiores – recentemente, o presidente do JBS afirmou que poderia ser parceiro de frigoríficos em dificuldade financeira. Há 11 meses, a Gazeta Mercantil, abordou a crise do setor, que operava com capacidade ociosa de 40% em plena safra.

Com o agravamento da crise financeira global, os problemas da indústria frigorífica apenas se acentuaram. Assim, a crise fez evaporar o que o setor conquistara nos tempos de bonança.

A Scot Consultoria estima que a capacidade de abate anual tenha se expandido em 5 milhões – antes da turbulência global -, enquanto a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) afirma que o fechamento de plantas diminuiu em 8,7 milhões a capacidade.

Comunicação

Acredita-se que as companhias que iniciam ou reforçam ações de comunicação agora, como Marfrig, Bertin, JBS e Minerva, só teriam empreendido essas estratégias por terem, antes da turbulência global, reunido mais condições para enfrentar os obstáculos. Isso teria sido possível graças à capitalização alcançada, seja por meio de exportação, seja pela abertura de capital, em anos anteriores.

Nelore investe R$ 10 milhões para "ser" carne

A raça que representa a maior parte do rebanho bovino brasileiro – o nelore – trabalha, desde 2001, com o Programa de Qualidade Nelore Natural, que confere um selo aos produtos desse tipo que tenham procedência garantida

Um dos objetivos do projeto é instituir a marca "nelore natural" na carne. Desde o início da iniciativa, já foram aplicados no desenvolvimento e divulgação da marca mais de R$ 10 milhões.

Vilemondes Garcia de Andrade Filho, presidente da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB), explica que o programa deseja posicionar o pecuarista não como um produtor de boi, mas sim de carne. É por isso que o programa fornece à indústria um produto com origem conhecida e qualidade controlada

Selo

A marca da associação se dá por um selo que, segundo ele, agrega credibilidade e qualidade aos frigoríficos. Andrade Filho diz que esse selo-marca qualifica a carne como um item de qualidade, produzida a pasto, de forma sustentável. A estratégia de divulgação utiliza campanhas em mídia impressa e televisiva, em canais para o produtor e para o consumidor.

O presidente da associação diz que a comunicação busca enfatizar os diferenciais dessa carne. Além da publicidade, a entidade promove ações de experimentação do produto, com degustações e cursos de culinária em pontos-de-venda e eventos.

Médicos

Um dos públicos almejados pela ação é a classe médica, para que os profissionais da área conheçam os diferenciais dessa carne.

Segundo Andrade Filho, mais recentemente o trabalho passou a ser o de consolidação da marca e a ampliação dos volumes e, por isso, são feitas ações de relacionamento. "Estamos desenvolvendo agora um projeto para o lançamento de uma linha de produtos com certificação internacional", diz.