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Avicultura Industrial em foco: Artrópodes na Avicultura

Avicultura Industrial em foco: Artrópodes na Avicultura

Por_Andreia Mauruto Chernaki Leffer, MV; Pós-Doutorado em Entomologia; Consultora Sênior em Controle de Pragas

Os produtos avícolas estão em crescente ascensão, devido à alta demanda por alimentos proteicos. Com aumento da demanda, há aumento da produção, tendo como consequência o aumento na geração de resíduos, levando ao aparecimento de artrópodes, que buscam alimento e abrigo nestas instalações. 

Os artrópodes (Ordem Arthropoda, do grego arthro = articulação + podos = pés, correspondente a “patas articuladas”) são dominantes em nosso planeta. Estima-se que seu número possa chegar a mais de 2 milhões de espécie, correspondendo a mais de 85 % de todas as espécies animais. 

De acordo com evidências morfológicas e moleculares, os artrópodes são classificados em Crustacea, Myriapoda, Arachnida e Insecta, sendo as duas últimas, classes de importância na avicultura industrial.

Não se pode negligenciar o papel dessas pragas na transmissão de patógenos às aves, bem como o risco de contaminação humana pela ingestão de microrganismos derivados da carne e ovos. 

Por esse motivo, o controle de insetos é um item importantíssimo na avaliação de riscos e é parte fundamental dos planos de Biosseguridade em granjas avícolas. 

Classe Arachnida

Ácaros

Ornithonyssus sylviarum, conhecido como ácaro da pena, é amplamente distribuído e o mais comum ectoparasita. Em áreas tropicais, a espécie mais comum pode ser o O. bursa (Fig. 1). Tais ácaros são hematófagos (de alimentam de sangue) e um problema sério e comum em poedeiras em gaiolas e matrizes. Sua presença está relacionada ao tipo de alojamento e ao número elevado de aves que ali coabitam. Esse ácaro também tem sido observado em pombos de zonas urbanas e são responsáveis por infestações em escolas, praças, residências e outros ambientes.

Ventral view of Ornithonyssus bursa adult female showing the posteriorly narrowed genitoventral shield (upper arrow) and the teardrop-shaped anal plate with anal opening at the anterior end (lower arrow). Scale bar: 50 μm.

Figura 1. Vista ventral de Ornithonyssus bursa.

Waap, H. et al. (2020)

Dermanyssus gallinae (Fig. 2), também hematófago, é conhecido como ácaro-de-galinha, ácaro vermelho ou pixilinga. São frequentemente encontrados em galpões de galinhas poedeiras e matrizes de frangos de corte, pois a cama, caixas-ninho e gaiolas fornecem um ambiente favorável. D. gallinae é uma espécie crítica e um potencial vetor de patógenos aviários, como Salmonella spp.

Dermanyssus gallinae male, 2. D. gallinae female (with egg)  

Figura 2. Dermanyssus gallinae macho (1), 2. D. gallinae fêmea (com ovos).

(Cihangir, A. et al. 2009)

Megninia spp. (Fig. 3), também conhecida como “ácaro da pena”, não é hematófago, porém permanece por todo ciclo nas penas, causando a destruição das mesmas, que uma vez parasitadas ficam com aspecto sujo, fragilizadas e quebradiças. 

Figura 3. Características microscópicas de ácaros fêmeas de Megninia ginglymura; as setas indicam características morfológicas usadas para identificar o ácaro usando chaves de identificação padrão (Van Poucke, S. et al. 2016).

Allopsoroptoides galli (Fig. 4) é também um ácaro plumícola que foi identificado em 2010 após ser observado nas penas de aves poedeiras em uma instalação comercial no Estado de São Paulo, causando redução na produção de ovos e na conversão alimentar. 

Figura 4. Macho (A), e fêmea (B) de Allopsoroptoides galli.

(Tucci E.C. et al. 2014)

Cheyletus malaccensis e C. eruditus é parasita de aves e também mamíferos, causando queiletielose, ou “caspa ambulante”, por serem ácaros brancos. Tem grande importância para a avicultura brasileira, pois são predadores de outros artrópodes. Permanecem a maior parte do tempo em refúgios, podendo ser encontrados em ninhos ou em estruturas nas granjas. 

Figura 5. Cheyletus malaccensis, fêmea (F) e macho (G).

(Liu L. et al., 2018).

Carrapatos moles

Na produção moderna de aves, não há muitos casos de carrapatos em produtos avícolas. A espécie Argas (Persicargas) miniatus (Fig. 6), originária da Ásia, ocorre em várias partes do mundo, sendo a única espécie do gênero Argas assinalada no Brasil. Aves silvestres são geralmente a fonte de infestação. 

Figura 6. Argas (Persicargas) miniatus vista ventral (J) e vista dorsal (K).

(Zahid, H. et al., 2021).

Classe Insecta

Besouros da cama

A principal espécie de besouro associada a granjas avícolas de frangos de corte e matrizes é o cascudinho, Alphitobius diaperinus (Fig. 7). Esses besouros são transmissores e reservatórios de patógenos aviários, incluindo sorotipos patogênicos de Escherichia coli e Salmonella spp. 

Outros besouros também podem ser encontrados na cama de aviários e em fezes de galinhas poedeiras, tais como Euspilostus modestus e Carcynops troglodytes, espécies citadas como predadoras de ovos e larvas de dípteros, inclusive M. domestica.

Figura 7. Alphitobius diaperinus adulto.

Moscas

O esterco das aves possui um teor de umidade que fornece um habitat ideal para a formação de grandes populações da mosca doméstica, Musca domestica (Fig. 8). Além do incômodo que causam, as moscas são um veículo para a transmissão de agentes infecciosos. Em granjas avícolas, as moscas adultas se alimentam de vários materiais, como esterco, ovos quebrados, ração derramada e materiais orgânicos em decomposição.

São também consideradas pragas em ambientes avícolas as moscas-das-frutas. Há duas espécies de mosca das frutas nativas do Brasil: Ceratitis capitata e Anastrepha fraterculus. Elas depositam seus ovos na superfície de materiais orgânicos úmidos; além do incômodo que causam, podem contaminar alimentos com bactérias e outros microrganismos.

Figura 8. Musca domestica (larvas e adulto).

(Derraik, J. et al. 2010)

Piolhos

Os principais ectoparasitos que infestam as poedeiras são os piolhos Menopon gallinae (Fig. 9) e Menacanthus sp. As fêmeas destes piolhos mastigadores de penas produzem uma substância que faz com que os ovos (lêndeas) fiquem todos juntos próximos à pele dos animais, aderidos às penas. Os piolhos adultos (machos e fêmeas) são encontrados entre as penas, principalmente nas penas das regiões do peito e cloaca, uma vez que nessas regiões a poedeira tem mais dificuldade de se coçar.

Figura 9. Menopon gallinae fêmea (A) e macho (B). 

(Shaikh, F. et al. 2024)

Traças

A ração infestada pode causar o desenvolvimento de populações substanciais de traças na cama e no esterco. O controle das traças quando um galpão avícola está infestado é difícil e requer limpeza completa de todo o sistema. As traças (Ordem Lepdoptera) mais comuns em esterco de aves são: Monopis sp. e Niditinea fuscella (Fig. 10) (Tineidae), Pyralis farinalis, Anagasta kuehniella e Plodia interpunctella (Pyralidae). As larvas em estágio avançado produzem um material de teia que faz com que a ração e a cama formem aglomerados. As formas adultas voam sobre o esterco, causando estresse nas aves.

Figura 10. Niditinea fuscella (A).

(Lee, Dong-June et al. 2019)

Fatores que afetam as populações de artrópodes

O tamanho de uma população de pragas dentro e ao redor de galpões avícolas depende de fatores abióticos (temperatura e as características físicas/químicas do habitat) e bióticos (predadores, parasitas, patógenos e competição entre as espécies). 

A natureza dos fatores abióticos e bióticos na produção avícola é determinada por três fatores que estão interrelacionados: (1) gerenciamento dos galpões de alojamento das aves, (2) gerenciamento de resíduos e (3) gerenciamento dos plantéis. 

Métodos de controle 

O controle de artrópodes praga de aviários se faz por meio de um conjunto de ações, também chamado de manejo Integrado de Pragas (MIP).

Os métodos para controlar pragas na produção avícola podem ser agrupados em três categorias: cultural, biológico e químico. 

1) Métodos culturais

São básicos para qualquer programa de controle e nada mais são que ações de gerenciamento dos galpões de alojamento das aves, dos resíduos e dos plantéis.

1.1) Gerenciamento dos galpões de alojamento das aves

O fluxo de ar adequado é necessário para a saúde das aves e também necessário para auxiliar na secagem do esterco e da cama, reduzindo a reprodução de moscas e outros insetos. O fluxo de ar pode ser facilitado pelo corte de ervas daninhas e grama ao redor do galpão.

Em termos estruturais, os galpões devem ser localizados em terrenos nivelados para promover a drenagem da água da chuva para longe do galpão. A drenagem deficiente permite que a água da chuva entre nos aviários, criando problemas com moscas e prejudicando as fundações. 

Inspeções e reparos frequentes de equipamentos de bebedouros e comedouros em um galpão são necessários para reduzir o derramamento de alimentação no esterco e na cama, e o excesso de umidade devido a vazamentos nos sistemas de água. Essa manutenção de rotina reduz o custo de produção e, ao mesmo tempo, reduz as populações de moscas e besouros, que se desenvolvem no esterco e na cama.

Restringir o tráfego humano para dentro e para fora de uma instalação, e zelar pela higiene do pessoal e desinfecção de equipamento que entram, reduz as chances de introduzir certas pragas, especialmente ectoparasitas, pois a transmissão de ácaros de aves, pode ocorrer acidentalmente em trabalhadores e equipamentos. 

Restringir o acesso de aves silvestres reduz as chances de introduzir ácaros de aves, outros ectoparasitas e doenças aviárias. 

As aves usadas para repovoar o aviário devem ser cuidadosamente inspecionadas para garantir que estejam livres de ectoparasitas. 

Os sistemas de coleta de ovos de aves devem ser ajustados e mantidos para que pouca ou nenhuma quebra de ovos ocorra, pois isto estimula a vinda de populações de pragas, especialmente moscas.

Ração contaminada pode ser uma rota para a introdução de besouros e traças em um galpão; os equipamentos do sistema de entrega de ração devem ser limpos periodicamente para evitar o acúmulo de populações de pragas. 

A limpeza completa do aviário e do equipamento é essencial, seguida pelo uso adequado de desinfetantes e aplicações de inseticidas entre os lotes.

1.2) Gerenciamento de resíduos

O gerenciamento de resíduos se refere a como o esterco, a cama e as aves mortas são destinadas. 

Em galpões de poedeiras em gaiolas, o esterco se acumula sob as gaiolas por vários meses. Assim, promover a secagem do mesmo, se faz necessário. 

A secagem do esterco é necessária também para facilitar a fácil remoção e o espalhamento do esterco nos campos, bem como para reduzir a produção de moscas. 

A cama usada em galpões de criação de frangos de corte contém uma mistura de fezes, ração derramada, penas e cepilho (ou outro material seco). A frequência de remoção da cama dos galpões de crescimento é frequentemente vinculada aos custos de produção, porém quanto mais tempo a cama permanecer, maior será o acúmulo da população de besouros (cascudinhos), por exemplo.

Embora a mortalidade das aves de produção possa ser de apenas 1–3%, o grande número de aves em um galpão resulta em números consideráveis ​​de carcaças que exigem descarte. Aves mortas devem ser removidas diariamente, evitando o desenvolvimento de insetos, especialmente moscas. Incineração e compostagem são métodos mais comuns ​​de descarte.

1.3) Gerenciamento dos plantéis

Se refere à administração da saúde geral das aves, como alimentação e métodos de fornecimento de água e seu consumo. O consumo excessivo de água pelas aves e nutrição inadequada ou doenças gastrointestinais, podem causar fezes fluidas que deixam o esterco ou a cama úmida, facilitando a invasão e reprodução de moscas e outros insetos.

Controle biológico

O controle biológico se faz com o uso inimigos naturais de pragas, incluindo predadores, parasitas e outros patógenos (fungos entomopatogênicos, por exemplo), para reduzir populações de pragas.

Embora existam diversas pesquisas no Brasil e no mundo, ainda não há no Brasil um produto biológico disponível para controle de pragas avícolas.

Controle químico

O controle de besouros depende principalmente do tratamento com inseticida sobre a cama e, às vezes, no solo subjacente. O controle mais satisfatório é obtido pelo tratamento entre cada lote. 

O controle de ectoparasitas depende de aplicações de inseticidas nas aves e no alojamento. Embora alguns produtos químicos usados como aditivos para ração tenham demonstrado eficácia no controle de ectoparasitas, seu uso comercial é bastante limitado, devido a problemas de resíduos de inseticidas na carne e nos ovos. 

O controle de ácaros das aves requer a penetração das penas com um spray de pressão relativamente alta, o que é difícil de obter, especialmente em galpões de postura em gaiolas, que ficam empilhadas próximas umas das outras. 

Os ácaros podem ser controlados com tiras impregnadas com inseticida penduradas nas gaiolas ou colocadas em caixas-ninho, porém os custos e a mão de obra necessários para a instalação limitaram seu uso. 

Ácaros de galinha que passam a maior parte do tempo fora do hospedeiro, exigem pulverização completa do galpão, especialmente em rachaduras e fendas. 

Sprays residuais de inseticidas com açúcar adicionado melhoram o controle de moscas domésticas adultas. 

É importante estabelecer janela de aplicação para inseticidas, que é o tempo necessário para uma praga passar por uma geração completa ou pela duração do tempo máximo de efeito residual (inseticidas no solo, em torno de 40 dias). Estabelecida a janela de aplicação, é fundamental realizar rotação de ingredientes ativos, com objetivo de minimizar problemas de resistência aos inseticidas.

Os inseticidas comumente usados no Brasil ​​para aplicações nas estruturas, como iscas mosquicidas, esterco, cama e nas aves (dependendo dos registros de rótulo) são pertencentes às seguintes classes: 

1) Piretróides: cipermetrina, deltametrina e ciflutrina.

2) Organofosforados: clorpirifós; azametifós

3) Neonicotinóides: imidacloprido.

4) Espinosinas: espinosade.

5) Inibidores da biossíntese de quitina: triflumurom e diflubenzurom.

6) Disruptores da ecdise: ciromazina.

Também podem ser usados juntamente com os inseticidas, os sinergistas, como o Butóxido de Piperonila (PBO) e os Repelentes como o Citronelal. 

Como Produtos alternativos estão também disponíveis comercialmente a Metilxantina e Terra diatomácea.

Também têm sido desenvolvidas diversas pesquisas com o uso de óleos essenciais para controle de pragas, tais como cravo-da-índia, canela, eucalipto, entre outros.

Outros adjuvantes no controle de pragas podem ser os Condicionadores químicos, como o ácido Bórico; cal hidratada e cal virgem; sulfato de alumínio; sulfato de cálcio (sal); gesso agrícola; cal virgem + sulfato de amônia.

Armadilhas luminosas ou com iscas atrativas para moscas também são uma boa opção.

Considerações finais

O controle de artrópodes na avicultura jamais deve ser negligenciado e é parte fundamental de um adequado programa de biosseguridade.

De forma geral, quanto melhor o controle sobre um sistema de produção, melhor funcionará o gerenciamento dos problemas associados às pragas. 

É necessario portanto, desenvolver técnicas de detecção e monitoramento desses artrópodes e implementar métodos de gestão integrados, para que seja possível obter um controle mais efetivo. 

Além disso, em razão da reduzida disponibilidade de ingredientes ativos para uso na avicultura, é importante que instituiçoes de pesquisa, em parceria com a indústria,  incentivem o desenvolvimento de novos produtos (naturais ou sintéticos), bem como de novas técnicas de controle.