Dados recentes divulgados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) apontam que quase 870 milhões de pessoas no mundo passam fome. O número equivale a 12,5% da população do planeta. No Brasil, até 2011, ano de criação do Plano Brasil Sem Miséria, 16 milhões de pessoas estavam em situação de extrema pobreza. Desse total, quase a metade (47%) encontrava-se no campo. Cenário que começou a mudar. Em março deste ano, famílias nessas condições receberam complementação de renda do Bolsa Família para alcançar renda mensal de até R$ 70 por pessoa – condição socioeconômica para ser considerado extremamente pobre. Contudo, estima-se que 700 mil brasileiros ainda estejam em situação de miséria.
O 25º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) há quase 65 anos, afirma que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar saúde e bem estar a si e a sua família. Nesse quesito, a diretriz mundial inclui a alimentação como um dos pilares fundamentais resguardados. Não por menos, o desafio da erradicação da miséria e a segurança alimentar são assuntos presentes e constantes na agenda dos líderes mundiais. No Brasil, a preocupação não é diferente. Por aqui, o enfrentamento à fome segue alinhado às ações que priorizam a inclusão produtiva no meio rural, estratégia estabelecida pelo Plano Brasil Sem Miséria, ação interministerial do Governo Federal para erradicar a fome e a extrema pobreza. Entre as iniciativas que se destacam nessa área, está o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), articulado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Com dez anos de existência, o PAA já comercializou mais de quatro milhões de toneladas de alimentos oriundos de empreendimentos da agricultura familiar. O montante deve movimentar, até o fim de 2013, quase R$ 5 bilhões. Na avaliação do representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic, a agricultura familiar já é percebida no País como uma solução para desenvolver e manter a segurança alimentar e a erradicação da pobreza. “A agricultura familiar é um setor muito estratégico para o governo brasileiro. O Brasil, no contexto da América Latina, é o país que mais apresenta tecnologia social e instrumentos econômicos para fortalecer e, assim, sobreviver [dessa área].”
A operacionalização do programa consiste em comprar alimentos diretamente dos agricultores familiares, sem processo licitatório e com preços compatíveis aos praticados nos mercados regionais. Os produtos adquiridos com recursos do Governo Federal são encaminhados para entidades pertencentes às redes socioassistenciais – restaurantes populares, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos – e para famílias em situação de vulnerabilidade social. Além disso, o PAA funciona como um instrumento garantidor de maior estabilidade financeira às organizações de agricultores familiares por meio da modalidade de Apoio à Formação de Estoques. Essa modalidade permite que cooperativas e associações comprem alimentos dos seus agricultores, agreguem valor a esses produtos e os comercializem no momento mais propício em termos de preço, para mercados públicos ou privados. O programa é executado com recursos do MDA e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em parceria com estados, municípios e com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
A mudança na concepção do conceito de agricultura familiar e a construção de políticas estruturantes específicas para o desenvolvimento sustentável do setor no Brasil despertaram o interesse de países vizinhos. “A agricultura familiar precisa ser preservada, precisa ter sustentabilidade, não somente ecológica, mas, também, social. Por isso, as políticas desenvolvidas no Brasil servem de modelo para outros países da América Latina e para a África. O PAA e o Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar], por exemplo, também estão sendo aplicados na África baseados nas políticas desenvolvidas no Brasil”, pontua Bojanic.
Incentivo à agricultura familiar – Além dos mercados de compras institucionais, o Brasil lança, a cada ano, um conjunto de políticas públicas simultâneas e permanentes para fomentar a organização econômica e a sustentabilidade no meio agrícola. Essa divulgação é conhecida como Plano Safra da Agricultura Familiar. Somente no último Plano, com vigência entre junho de 2012 a maio de 2013, a agricultura familiar contratou mais de R$ 19,2 bilhões em crédito rural por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do MDA. O valor ultrapassou, pela primeira vez na história do programa, o montante disponibilizado inicialmente pelo Governo Federal para financiar as operações de custeio e investimento, que na safra 2012/2013 foi de R$ 18 bilhões.
As medidas do Plano incluem, ainda, recursos para apoiar o cumprimento dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), do Seguro da Agricultura Familiar (Seaf), do Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF), do Garantia-Safra e, em especial, das atividades produtivas rurais das famílias incluídas no Plano Brasil Sem Miséria.
O esforço do governo brasileiro para desenvolver a produção familiar rural foi reconhecido internacionalmente. Em dezembro passado, a FAO afirmou, em seu boletim, que o Brasil se destaca por ser um dos países da América Latina e Caribe que mais apoiam a agricultura familiar por meio de programas públicos. Para Alan Bojanic, as políticas públicas implementadas no País caminham para desenvolver e manter a segurança alimentar. “Esse objetivo, sem dúvida, é o coração dessas propostas. O fortalecimento da agricultura familiar também tem uma conotação social muito importante, ele está associado a um tema cultural. Logo, fortalecer a agricultura também é uma forma de preservar a cultura, tem uma dimensão além da econômica. O dinheiro está sendo canalizado para proteger, também socialmente, os cidadãos das áreas rurais, que estão vulneráveis. E os exemplos do Nordeste brasileiro são muito visíveis desses círculos virtuosos quando se tem políticas sociais”, finaliza.
Aliança latina – Em fevereiro de 2013, a FAO anunciou a parceria com os países do Mercosul para promover a agricultura familiar. A cooperação foi firmada durante a Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (Reaf), em Santiago, no Chile. A união das organizações vai apoiar agricultores familiares da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Venezuela – responsáveis por gerar mais de 70% do emprego na área agrícola na América Latina e Caribe.
“Os processos de integração no Mercosul estão ocorrendo cada vez com mais força. A aliança vai estruturar, justamente, como ter políticas harmonizadas e conjuntas para atender os agricultores familiares de todo o Mercosul. Serão iniciativas com repercussão nas economias nacionais, como nos processos de integração na área agrícola, facilitação do comércio e o controle das doenças, em uma perspectiva regional”, explica Alan Bojanic.
A cooperação será realizada no âmbito do Fundo de Agricultura Familiar do Mercosul, uma ferramenta criada pelos países do bloco.
PAA e a alimentação animal – O lançamento do Plano Safra Semiárido, anunciado em julho deste ano, trouxe mais um novidade para os agricultores familiares que acessam o PAA. A partir de agora, as modalidades de compras do programa incluem a aquisição de forrageiras, mudas e sementes – uma alternativa para preparar os agricultores para enfrentar os efeitos da estiagem no Semiárido brasileiro. Com isso, os produtores que tenham excedente de forragem (como a palma forrageira) poderão vendê-lo por meio do PAA. O limite de venda por agricultor é de R$ 8 mil por ano.