A falta de investimentos no setor sucroenergético deve levar o Brasil a se tornar importador de etanol. Para evitar desabastecimento durante o período de entressafra de cana-de-açúcar, no início do ano que vem, o país deve buscar no exterior cerca de 650 milhões de litros, multiplicando por nove o volume importado em 2010 (75,6 milhões de litros). Especialistas alertam que o descompasso entre oferta e demanda, que vem ocorrendo desde o ano passado, tende a tornar a balança comercial do produto deficitária nos próximos anos.
De janeiro a junho deste ano, 406,9 milhões de litros do combustível entraram no país, mais que o dobro do volume total importado entre 2000 e 2009, de acordo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Usinas, tradings e distribuidoras já teriam firmado contratos para outros 250 milhões de litros. Segundo informações da Bioagência, empresa que negocia a produção de 26 usinas do Centro-Sul do país e detém 8% do mercado nacional, as cargas devem começar a chegar aos portos brasileiros entre o fim deste mês e o início de setembro.
“A probabilidade de continuarmos importando etanol nos próximos anos é muito grande”, adverte o diretor da empresa, Tarcilo Rodrigues.
O problema é estrutural e tem origem em 2006, quando a expansão mal planejada provocou excesso de oferta, deprimiu os preços do açúcar e do etanol e fez com que as usinas começassem a ter dificuldades para saldar dívidas. Em 2008, quando começava a se ajustar, o setor foi surpreendido pela crise internacional, que secou o crédito e obrigou empresas a engavetar projetos de investimento.
“Desde então, não conseguimos mais renovar os nossos canaviais. Com isso, a produtividade caiu de 95 toneladas para 76 toneladas por hectare e o ATR (quantidade de açúcar da matéria-prima) também diminuiu”, relata o representante da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) em Ribeirão Preto (SP), Sérgio Prado. Ele lembra que o problema foi agravado pelo excesso de chuvas em 2009, secas em 2010 e geadas neste ano.
Nas contas da Unica, as indústrias da região Centro-Sul do país – com cerca de 90% da produção brasileira – terão disponíveis para a moagem 533,5 milhões de toneladas de cana, 4,2% menos do que o processado na safra passada (556,94 milhões). É a primeira queda desde o surgimento dos carros flex, em 2003. E há quem acredite que o aperto na oferta de matéria-prima será ainda maior. “O mercado acredita que vamos chegar a, no máximo, 515 milhões de toneladas”, revela Arnaldo Corrêa, gestor de riscos da Archer Consulting.
Qualquer que seja o número final, irá redundar em uma produção menor de etanol. Mesmo considerando a projeção conservadora da Unica, haverá déficit na oferta do combustível, que deve recuar a 22,5 bilhões de litros para um consumo estimado 2 milhões de litros/mês, ou 24 bilhões de litros/ano.”As importações resolvem momentaneamente a situação, mas não equacionam o problema no médio e longo prazo”, declara Corrêa.
O ponto zero para que o mercado do etanol comece a sair da crise é a recuperação dos canaviais. “O que precisamos hoje não são novas usinas, mas sim novas lavouras”, diz Prado. Segundo o governo, a indústria sucroenergética brasileira trabalha hoje com 20% de sua capacidade produtiva ociosa. Se houvesse matéria-prima disponível, poderia moer 150 milhões de toneladas de cana adicionais.
“Visitei, nas últimas semanas, várias regiões de produção de São Paulo e vi que o replantio de áreas envelhecidas está ocorrendo”, conta o representante da Unica. “O problema é que essas novas áreas só entrarão em produção daqui a 18 meses e, pelo menos até lá, a oferta vai continuar apertada”, observa