No rastro da insuficiente estrutura de armazenagem brasileira de grãos, a indústria argentina Ipesa Río Chico planeja abrir uma fábrica de “silo-bolsa” de polietileno no Brasil para atender ao farto mercado das principais fronteiras agrícolas.
Fundado há 50 anos em Buenos Aires, o grupo tem investido forte na ampliação de suas instalações fabris da Terra do Fogo, na região da Patagônia, para alcançar novos mercados com demanda em alta. Os mais vistosos são Brasil, Uruguai, Estados Unidos, Rússia e Ucrânia. Hoje, a empresa exporta 20% da produção de 400 mil toneladas de “silos-bolsa” para 17 países. O sistema consiste em um “salsichão” de plástico reforçado de 100 metros de comprimento onde podem ser armazenadas até 200 toneladas, ou 3 mil sacas de grãos.
Dona de um faturamento estimado em US$ 150 milhões, a indústria argentina tem avançado no Brasil. Domina o mercado local com a venda de 18 mil das 22 mil unidades comercializadas na última safra. Tem uma rede de 12 revendedores e outros cinco fabricantes das máquinas de embutimento e extração dos grãos no “silo-bolsa”. E quer mais: em 2011, abrirá uma filial em Cuiabá (MT) para ampliar as vendas ao Centro-Oeste usando os benefícios do “porto seco” local. Isso ajudará a driblar alguns obstáculos fiscais, como a cobrança antecipada de ICMS no maior Estado produtor de grãos do Brasil.
“Estamos criando demanda para poder investir no Brasil”, resume o diretor comercial da Ipesa Río Chico, Carlos Puiggari. “É um mercado difícil, tem uma barreira cultural do produtor, mas a confiança na nossa tecnologia virá com os resultados”.
Em sua aposta nas fronteiras brasileiras, a Ipesa também apela para alguns nichos de mercado, como a segregação de grãos convencionais (milho e soja) da produção geneticamente modificada, além da soja especial para fabricação de tofu japonês. Na Argentina, 65% da armazenagem se dá em silos. No Brasil, esse índice é inferior a 4%. Tradings multinacionais como Cargill e Bunge, além das cooperativas nacionais C-Vale, Lar e Copacol, têm usado o sistema Ipesa no país. Mas os produtores relutam em desembolsar US$ 0,50 por saca para usufruir do baixo custo operacional, manutenção da qualidade e acesso imediato ao produto para venda na entressafra. Há, ainda, os benefícios de facilitar a certificação.
O diretor Carlos Puiggari estima que, rompidas as desconfianças na tecnologia, o Brasil poderia absorver entre 100 mil e 150 mil toneladas de “silo-bolsa”. A meta da empresa é elevar a 40% a fatia desse sistema na armazenagem nacional. Alguns caminhos argentinos podem ser replicados no Brasil. De tão difundido o modelo em terras platinas, os produtores locais passaram a receber o “silo-bolsa” em operações de crédito antecipado com tradings.
O sistema já virou parte do “pacote tecnológico” tradicional, composto por sementes, agrotóxicos e fertilizantes. E isso ajuda na difusão da tecnologia. “Aqui, o silo-bolsa é tão insumo quanto a semente”, afirma o diretor comercial da subsidiária Ipesa do Brasil, Héctor Malinarich. “As tradings compram e duplicam as vendas porque também precisam estocar”.
As relações com o Brasil tendem a aprofundar-se à medida que a demanda interna cresce. Das poucas bolsas vendidas na safra de estreia, em 2004, a empresa passou a planejar novas parcerias. Hoje ancorada no polietileno de baixa densidade fornecido pela americana Dow, a Ipesa negocia a compra da matéria-prima da Braskem. Na fábrica plantada na gélida cidade de Río Grande, parte das máquinas opera com o produto do polo petroquímico de Triunfo (RS).
“Testamos o produto e gostamos muito do resultado”, diz o engenheiro mecânico Fabio Massucco, gerente da planta industrial. A Ipesa exige uma variedade de combinações e várias especificações para o polietileno usado nas bolsas. A empresa consome 60 mil toneladas da matéria-prima de baixa densidade por ano.
O maior atrativo para a Ipesa no Brasil, porém, é o estimado déficit de 12 milhões de toneladas em armazéns. Os silos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), por exemplo, têm capacidade estática para apenas 2,2 milhões de toneladas – 1,2 milhão para grãos. A capacidade estática catalogada pela Conab soma 137,9 milhões de toneladas. São 17,8 mil armazéns públicos, privados e de cooperativas. Desses, somente 8% têm contrato para receber grãos dos estoques oficiais. O governo tem tentado estimular a construção de silos fixos nas fazendas, mas esbarra nas dificuldades de acesso ao crédito pelos produtores.
No Uruguai, um de seus principais mercados, a Ipesa não encontrou dificuldades porque boa parte dos produtores locais pe composta por argentinos que preferiram deixar para trás as reviravoltas impostas pelo governo Cristina Kirchner ao setor rural. “O produtor compra cada vez mais. À medida que sobe a produção e a produtividade, aumentamos nossas vendas”, afirma o diretor Malinarich.
Antes de sua expansão no Brasil, a Ipesa Río Chico precisará resolver uma questão no âmbito do Mercosul. Para entrar no Brasil, o “silo-bolsa” tem que pagar tarifas de importação como se fosse um tubo flexível para uso industrial. A aplicação agrícola do material ainda não é reconhecida pelas regras do bloco comercial. A Ipesa tem tentado modificar a classificação, mas encontra dificuldades de todos os lados para alterar a nomenclatura de seu principal produto de resina plástica. “Temos tentado de todas as formas, mas ainda não conseguimos”, afirma Héctor Malinarich.
‘Silo-bolsa’ já é tradicional em região de grãos entre rios Uruguai e Paraná
Segundo os adeptos do “silo-bolsa” na mesopotâmia argentina, o sistema é simples, mas requer treinamento técnicoNa Mesopotâmia argentina, a ampla e fértil região compreendida entre os rios Uruguai e Paraná, as fazendas de grãos adotaram há quase uma década o sistema do “silo-bolsa”. De cima da pequena máquina extratora da soja estocada desde março deste ano, o uruguaio Cesar Romero orienta outros três funcionários que operam um trator e uma carregadeira. “Vendemos 40% da última safra de soja. Agora que os preços atingiram picos históricos na bolsa de Chicago, resolvemos vender o restante”, diz o gerente da Cabaña La Peregrina, a 15 quilômetros da fronteira com o Uruguai.
Em uma área de 400 hectares, situada na Província de Entre Ríos, Romero cuida dos negócios rurais do empresário Zacarias Class. A fazenda em Gualeguaychú, a 240 quilômetro da capital Buenos Aires, colheu 270 mil sacas de soja e milho na última safra, com uma impressionante média de 65 sacas por hectare de soja e 150 de milho.
Romero diz que o sistema é fácil de manejar, requer pouca gente para operar, mas necessita de conhecimento e treinamento no sistema. A poucos metros da operação, o motorista de caminhão Miguel Luñak, há 45 anos no ramo, afirma que o sistema melhora também a sua vida. “Isso melhorou a logística para a gente. Trabalhamos o ano todo e não só na safra”, diz o profissional ligado à Associação de Cooperativas Argentinas. Morador de Concepción del Uruguay, ele conta que antes ficava até quatro meses fora de casa. “Rodava o país atrás das colheitadeiras de soja. Era muito ruim”. Hoje, Luñak prefere os trabalhos perto de sua cidade.
Na outra ponta do país, a mais de 3 mil quilômetros, a fábrica da Ipesa Río Chico, em Río Grande, está em ritmo acelerado. Mesmo com uma máquina em manutenção, é frenético o corre-corre dos operários pelas instalações recentemente ampliadas. Lá fora, o vento congela o rosto dos visitantes. No conforto da calefação movida a gás natural, os operários ganham entre US$ 1,5 mil a US$ 1,8 mil por mês.
A maioria vem de fora, de outras cidades, em busca dos bons salários, que chegam a ser o triplo do que ganhariam em regiões industriais da capital Buenos Aires. “Aqui, todo mundo é de fora. As casas são precárias, mas todos têm carros novos. É a síndrome da volta para casa que não deixa ninguém em paz”, resume o gerente industrial Fabio Massucco, que deixou emprego em Buenos Aires há cinco anos. As temperaturas abaixo de zero e o vento antártico castigam os moradores.
Os bons salários são possíveis porque a Ipesa está em uma zona franca. Aqui, o grupo não paga impostos. Economiza 21% de Imposto de Valor Agregado (IVA), outros 3,5% sobre faturamento bruto e não paga tarifas para importar bens de capital, máquinas e matérias-primas. “É um bom negócio estar lá. Mas ajudamos a desenvolver a região onde estamos há 30 anos”, diz o diretor comercial Carlos Puiggari. O maior problema, muito mais complicado do que o clima inóspito e as dificuldades logísticas, segundo ele, é a instabilidade política do país. Puiggari estima que a safra nacional argentina poderia saltar dos atuais 100 milhões para 115 milhões de toneladas se o governo retirasse, ou reduzisse, as tarifas de exportações (reintegros) sobre soja, milho e trigo. “O governo tem sido nafasto”, afirma.